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13-11-2007

BLOGAGENS

Enfie esse panfleto...
....na rima!


Como motorista indignada e desassossegada, estou pensando seriamente em criar uma campanha para protestar contra os panfleteiros que agem nos semáforos de Goiânia. Em adesivos para pregar no vidro do carro, pretendo estampar as seguintes palavras: Mantenha meu sossego. Enfie esse panfleto no rego.
Sim, sei que a rima é pobre, que já caí do salto, que os panfleteiros temem por seus empregos e que por esse motivo mesmo seus patrões já lançaram campanha em protesto à decisão da Prefeitura de proibir sua atuação nos semáforos. Nas camisetas deles, pretas de indignação e luto, estamparam: Aceite esse panfleto. Mantenha meu emprego.
Então, somos nós os responsáveis por manter seus empregos? Esse argumento, oportunista e falacioso, é usado todo o tempo, para justificar toda sorte de poluição e agressão à cidade, todo tipo de contravenção e crime. Se a gente der ouvido e razão a ele, todas as ruas irão se transformar em camelódromos, afinal todo mundo precisa trabalhar, ganhar seu dinheiro. É melhor trabalhar no mercado informal do que roubar. Quer dizer, é melhor roubar do que matar. Seguindo essa lógica, a gente deve pensar também na situação do ladrão, que também precisa garantir seu feijão. E no traficante, que também garante o leite das crianças. Se a gente raciocinar por aí, deve tudo permitir e nada proibir.
Alguém se lembra da polêmica envolvendo os pintores de muros? Há alguns anos, o vereador Clécio Alves decidiu criar uma lei proibindo o uso de muros para publicidade. Seus próprios colegas, legislando em causa própria e a favor das próprias campanhas políticas, se revoltaram, em nome da prejudicada categoria dos pintores. E adivinhem no que deu? Basta dar uma olhadinha na cidade.
Algo me diz, portanto, que essa medida tomada pela Prefeitura também não vai dar em nada. O que tenho visto é que outros motoristas, não tão desassossegados quanto eu, continuam aceitando os panfletos, entre solidários e enfastiados. E Goiânia vai continuar sendo uma verdadeira feira, em que todos tentam gritar mais alto. Nos muros, nos out-doors espalhados por toda parte, nas fachadas berrantes das lojas. Ai, Curitiba, e você vai se tornando a cada dia um sonho mais distante...
Não importa. Eu, por mim, burguesa quixotescamente solitária, vou continuar fechando ostensivamente a janela do carro, para usufruir da frescura do ar condicionado, ainda que seja considerada por isso uma madame afrescalhada – em país subdesenvolvido, o mínimo conforto é luxo. Para me defender dos inofensivos moradores ou crianças em situações de rua, que humildemente nos pedem a bolsa, o celular ou a vida, com um caco de vidro no nosso pescoço. Para não transformar meu carro num lixão sobre rodas. (Era o que acontecia antes, já que, penalizada com o solão escaldante lá fora ou farta de dizer não umas vinte vezes consecutivas, eu recolhia toda a papelada e não a atirava em seguida pela janela. Ao acolher toda aquela massa de celulose, eu padecia de angustiosa contradição, pois não somos nós mesmos que falamos em preservação do meio ambiente, em desenvolver hábitos de consumo mais conscientes?).
E sim, vou ignorar solenemente os simpáticos panfleteiros que quase esmurram o vidro, e saem fazendo muxoxos e dizendo palavrões, afinal nós, a elite motorizada, com nossos carros populares financiados em 36 suaves prestações, somos os grandes culpados pela pobreza, desemprego, injustiça social. Os donos dessas empresas que distribuem os panfletos e que mandaram fabricar as camisetas, os anunciantes, entre eles as construtoras, com seus miraculosos lançamentos imobiliários, as grandes redes de supermercado não têm absolutamente nada a ver com isso.

09-11-2007

Crônica contra Cronos

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Incrível como muitas pessoas enchem a boca para falar que vivem sem tempo, que ele não sobra, que estão sempre atarefadas, que trabalham demais. Que não dá. Que voa e é dinheiro. Como doentes que se orgulham da doença. Alto lá! Doença, não! A justificativa da falta de tempo é utilizada até para vender analgésico. No comercial, a atriz se divide em duas, para dar conta de tudo, afinal, não se pode perder tempo com dor de cabeça. Não se pode doer ou adoecer. Não se pode perder.
Há, claro, quem realmente precise trabalhar demais em um ou vários empregos, para sustentar família numerosa, sobreviver com dignidade. Existem de fato empregos que sugam, famílias que exigem, gente sobrecarregada de tarefas: trabalhar fora, cuidar da casa, dos filhos; levá-los à escola, à natação, ao inglês; freqüentar cursos, de reciclagem, especialização, pós-graduação, mestrado, pós-doutorado, línguas, oratória, pois é preciso acompanhar o ritmo vertiginoso com que o mercado se transforma, exige, não transige! Cuidar da boa forma. Assistir aos telejornais, aos lançamentos cinematográficos, ler as novidades do mercado editorial. Ufa! Uma lista imensa de afazeres para quem quer ser saudável, magro, bonito, bem-sucedido, antenado.
Não me refiro tanto às pessoas que, por ambição, dificuldades financeiras ou excesso de demandas, se esfalfam de trabalhar. Refiro-me antes àquelas que se deixam arrastar, inconscientes, por esse turbilhão de ânsias e ansiedades, que as conduz para o abismo da exaustão ou depressão. Às que se entregam ao trabalho e à vida como animal de tração ou em sacrifício. Automaticamente, atribuem à insuficiência das horas a culpa por todo infortúnio, por não ler bons livros, não freqüentar os amigos, não estar com os filhos.
Muitas vezes, no trânsito, flagro-me acelerando, presa de pressa. Aí, indago: corro por quê? Em geral, isso se dá, não porque o tempo me falte, mas porque o distribuo mal, de tal forma que preciso correr porque me atrasei na saída para o trabalho. Diante disso, deixei de usá-lo como desculpa para atrasos e adiamentos. Se não realizei até hoje projeto antigo, não finalizei um livro iniciado, não é por crueldades de relógios, mas porque pernas e humores e idéias se embaraçam nelas mesmas. Porque enveredo por túneis, porque me abandono a meus próprios precipícios de confusão e tédio.
Aos que buzinam e que frenéticos buscam brechas de ultrapassagem, também pergunto: ele lhes falta? Ou terão como eu sido reprovados nessa matemática? Ou, sonâmbulos, se deixaram envolver pelas tantas vozes que gritam nas multimídias: seja assim, compre isso, faça aquilo? Muitos são workaholics involuntários, dopados de desejos que não lhes pertencem, embebedados de avidez.
Talvez lhes sejam necessários um pequeno estalo, um carro abalroado, o prenúncio de um infarto, de uma crise de estresse, a receita de um ansiolítico prescrita pelo psiquiatra, a carta de despedida súbita da pessoa amada, para que acordem de repente para o tempo que realmente interessa: o de dentro, o tempo do ser que é, que não tem pressa, de amar e se lapidar. Esse que não se valoriza e se desperdiça com prodigalidade. Oxalá não seja tarde. Que não esteja vazando pela ampulheta o último grão de areia. Pois só há uma hora em que o tempo realmente nos falta e importa, quando a “indesejada das gentes” bate à porta.

08-10-2007

Contos de fora

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Iracema estava certa de que chegara sua vez de viver o próprio conto de fadas. Não mais de fossa, pra não dizer outra coisa, dos quais estava farta. Os homens que até então conhecera nunca tinham intenção de compromisso e a gentileza de dizê-lo. Inspirava-se na sorte das amigas que, uma a uma, foram partindo para o estrangeiro.
Moema conheceu um alemão bonito em férias na Bahia. Em um mês mudava-se para Hamburgo, largando família e carreira na arquitetura. Janaína foi fazer Mestrado em Ciências Políticas e ser babá em Paris, e se casou com um belga rico. Assim tinham sido exportadas para casamentos convenientes no velho continente. Mas não partiram apenas atrás de matrimônios afortunados. Foram – sofre na própria pele Iracema – ao encalço do bom e velho romance, um tanto em falta nos trópicos.
Juntou dinheiro, deixou o emprego de professora e apostou no bilhete da aventura premiada. Para Londres. Sabia que deveria manter recato, pois brasileiras têm pecha de fogosas e fáceis, e Goiânia é rota no tráfico de mulheres. Queria fazer a vida, mas não no mais antigo sentido. Não seria moleza, teria que concorrer com milhares de conterrâneas ávidas por fisgar um europeu e com as russas, rivais em beleza.
Mas as brasileiras dominam sobre todas a vantagem de não ser feministas arrogantes, como as européias, com séculos de emancipação em antecipação, se tornaram. Gostam de ter uma carreira sim, mas não se importam de fazer o trabalho da casa. Aliás, são capazes de deixar tudo para se dedicar ao lar, mulheres para cama, mesa e roupa lavada. Femininas, sabem a hora de mostrar-se dóceis e frágeis.
Empregou-se como “cleaner”. Faxinava, lavava e passava, na esperança borralheira de cinderela. Apesar de não passar despercebida – bela morena, cabelos mais negros que a asa da graúna –, os ingleses têm a mania de não olhar para os lados, de respeitar a privacidade alheia, ainda que se esteja com as calças borradas. Finalmente, um dia, tendo sido contratada para trabalhar para um jovem inglês, pressentiu a virada.
Lindo, solteiro, gentil e nobre! Morava num amplo apartamento. Estranhamente, instalou-a para passar roupas num corredor estreito, por onde ele se esgueirava toda vez que ia dos quartos para a sala. Ela começou a notar os hábitos diferentes. Revistas pornográficas espalhadas e abertas por todo lado. Na tevê somente filmes de sacanagem.
Justificou que eram excentricidades de inglês ou vícios de rapaz solteiro. Depois, porém, observou que, diariamente, ele recebia e entrevistava na sala dezenas de mulheres, mexicanas, colombianas, peruanas... Dizia tratar-se de pesquisa. Após semanas de entrevistas, pediu que ela passasse coleções de uniformes de faxineira, minúsculos, com aventaizinhos de babados e saias mínimas. Iracema inquietou-se.
Na semana seguinte, logo que chegou, viu que na tela do computador instalado na sala, flutuava a figura de uma “cleaner” de uniformezinho, espanador na mão, limpando um pó imaginário, abaixada, com o bumbum exposto. Para coroar seu constrangimento, o patrão passou pelo corredor estreito, roçando nela com a barraca armada. Ela supitou de desgosto e de coragem. Passou a cara dele a ferro e seus sonhos a limpo. Voltou para casa. Contos de fora! Contos da carochinha!