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09-11-2007

Crônica contra Cronos

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Incrível como muitas pessoas enchem a boca para falar que vivem sem tempo, que ele não sobra, que estão sempre atarefadas, que trabalham demais. Que não dá. Que voa e é dinheiro. Como doentes que se orgulham da doença. Alto lá! Doença, não! A justificativa da falta de tempo é utilizada até para vender analgésico. No comercial, a atriz se divide em duas, para dar conta de tudo, afinal, não se pode perder tempo com dor de cabeça. Não se pode doer ou adoecer. Não se pode perder.
Há, claro, quem realmente precise trabalhar demais em um ou vários empregos, para sustentar família numerosa, sobreviver com dignidade. Existem de fato empregos que sugam, famílias que exigem, gente sobrecarregada de tarefas: trabalhar fora, cuidar da casa, dos filhos; levá-los à escola, à natação, ao inglês; freqüentar cursos, de reciclagem, especialização, pós-graduação, mestrado, pós-doutorado, línguas, oratória, pois é preciso acompanhar o ritmo vertiginoso com que o mercado se transforma, exige, não transige! Cuidar da boa forma. Assistir aos telejornais, aos lançamentos cinematográficos, ler as novidades do mercado editorial. Ufa! Uma lista imensa de afazeres para quem quer ser saudável, magro, bonito, bem-sucedido, antenado.
Não me refiro tanto às pessoas que, por ambição, dificuldades financeiras ou excesso de demandas, se esfalfam de trabalhar. Refiro-me antes àquelas que se deixam arrastar, inconscientes, por esse turbilhão de ânsias e ansiedades, que as conduz para o abismo da exaustão ou depressão. Às que se entregam ao trabalho e à vida como animal de tração ou em sacrifício. Automaticamente, atribuem à insuficiência das horas a culpa por todo infortúnio, por não ler bons livros, não freqüentar os amigos, não estar com os filhos.
Muitas vezes, no trânsito, flagro-me acelerando, presa de pressa. Aí, indago: corro por quê? Em geral, isso se dá, não porque o tempo me falte, mas porque o distribuo mal, de tal forma que preciso correr porque me atrasei na saída para o trabalho. Diante disso, deixei de usá-lo como desculpa para atrasos e adiamentos. Se não realizei até hoje projeto antigo, não finalizei um livro iniciado, não é por crueldades de relógios, mas porque pernas e humores e idéias se embaraçam nelas mesmas. Porque enveredo por túneis, porque me abandono a meus próprios precipícios de confusão e tédio.
Aos que buzinam e que frenéticos buscam brechas de ultrapassagem, também pergunto: ele lhes falta? Ou terão como eu sido reprovados nessa matemática? Ou, sonâmbulos, se deixaram envolver pelas tantas vozes que gritam nas multimídias: seja assim, compre isso, faça aquilo? Muitos são workaholics involuntários, dopados de desejos que não lhes pertencem, embebedados de avidez.
Talvez lhes sejam necessários um pequeno estalo, um carro abalroado, o prenúncio de um infarto, de uma crise de estresse, a receita de um ansiolítico prescrita pelo psiquiatra, a carta de despedida súbita da pessoa amada, para que acordem de repente para o tempo que realmente interessa: o de dentro, o tempo do ser que é, que não tem pressa, de amar e se lapidar. Esse que não se valoriza e se desperdiça com prodigalidade. Oxalá não seja tarde. Que não esteja vazando pela ampulheta o último grão de areia. Pois só há uma hora em que o tempo realmente nos falta e importa, quando a “indesejada das gentes” bate à porta.

Comentários

Quase Poliana.

Escrito por: pgalvez | 12-11-2007

Depois que se entra no rodamoinho não se tem tempo nem para se auto-analisar do "porque me abandono a meus próprios precipícios de confusão e tédio"...
Haverá mesmo tempo para tudo debaixo do sol?
Pelo menos tive tempo para este comentário rsrs

Escrito por: nilva | 17-11-2007

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