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08-10-2007

Contos de fora

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Iracema estava certa de que chegara sua vez de viver o próprio conto de fadas. Não mais de fossa, pra não dizer outra coisa, dos quais estava farta. Os homens que até então conhecera nunca tinham intenção de compromisso e a gentileza de dizê-lo. Inspirava-se na sorte das amigas que, uma a uma, foram partindo para o estrangeiro.
Moema conheceu um alemão bonito em férias na Bahia. Em um mês mudava-se para Hamburgo, largando família e carreira na arquitetura. Janaína foi fazer Mestrado em Ciências Políticas e ser babá em Paris, e se casou com um belga rico. Assim tinham sido exportadas para casamentos convenientes no velho continente. Mas não partiram apenas atrás de matrimônios afortunados. Foram – sofre na própria pele Iracema – ao encalço do bom e velho romance, um tanto em falta nos trópicos.
Juntou dinheiro, deixou o emprego de professora e apostou no bilhete da aventura premiada. Para Londres. Sabia que deveria manter recato, pois brasileiras têm pecha de fogosas e fáceis, e Goiânia é rota no tráfico de mulheres. Queria fazer a vida, mas não no mais antigo sentido. Não seria moleza, teria que concorrer com milhares de conterrâneas ávidas por fisgar um europeu e com as russas, rivais em beleza.
Mas as brasileiras dominam sobre todas a vantagem de não ser feministas arrogantes, como as européias, com séculos de emancipação em antecipação, se tornaram. Gostam de ter uma carreira sim, mas não se importam de fazer o trabalho da casa. Aliás, são capazes de deixar tudo para se dedicar ao lar, mulheres para cama, mesa e roupa lavada. Femininas, sabem a hora de mostrar-se dóceis e frágeis.
Empregou-se como “cleaner”. Faxinava, lavava e passava, na esperança borralheira de cinderela. Apesar de não passar despercebida – bela morena, cabelos mais negros que a asa da graúna –, os ingleses têm a mania de não olhar para os lados, de respeitar a privacidade alheia, ainda que se esteja com as calças borradas. Finalmente, um dia, tendo sido contratada para trabalhar para um jovem inglês, pressentiu a virada.
Lindo, solteiro, gentil e nobre! Morava num amplo apartamento. Estranhamente, instalou-a para passar roupas num corredor estreito, por onde ele se esgueirava toda vez que ia dos quartos para a sala. Ela começou a notar os hábitos diferentes. Revistas pornográficas espalhadas e abertas por todo lado. Na tevê somente filmes de sacanagem.
Justificou que eram excentricidades de inglês ou vícios de rapaz solteiro. Depois, porém, observou que, diariamente, ele recebia e entrevistava na sala dezenas de mulheres, mexicanas, colombianas, peruanas... Dizia tratar-se de pesquisa. Após semanas de entrevistas, pediu que ela passasse coleções de uniformes de faxineira, minúsculos, com aventaizinhos de babados e saias mínimas. Iracema inquietou-se.
Na semana seguinte, logo que chegou, viu que na tela do computador instalado na sala, flutuava a figura de uma “cleaner” de uniformezinho, espanador na mão, limpando um pó imaginário, abaixada, com o bumbum exposto. Para coroar seu constrangimento, o patrão passou pelo corredor estreito, roçando nela com a barraca armada. Ela supitou de desgosto e de coragem. Passou a cara dele a ferro e seus sonhos a limpo. Voltou para casa. Contos de fora! Contos da carochinha!

Comentários

Um conto real. Se Nelson Rodrigues estivesse vivo, diria que seu conto é tal qual "A vida como ela é". Infelizmente, sabemos que muitas mulheres vão, esperançosas, ao velho continente e demais países desse exterior mundano, em busca de uma nova vida. Uma vida nova que, quando não encontrada, parece pior do que a antiga: muitas acabam por prostituir-se, em busca de poucos trocados para sobreviverem, quando não são pegas por um ou outro que sobrevivem às custas das escravas sexuais.

Eu gosto de meu país. Prefiro ficar aqui, a buscar um futuro melhor. Assim como em todo lugar, também muitos sofrem por falta de oportunidades, mas muitos também são os que pensam que, lá fora, conseguirão uma vida financeira melhor. Alguns conseguem, a base de muito suor e trabalho. Outros, enganam-se.

Um bom conto que, como já disse, é mais real do que pensamos.

Abraços e bom final de semana.

Samira

Escrito por: Samira | 12-10-2007

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