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26-07-2011

Amostra grátis?

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Habituada a estacionar ali todos os dias antes de ir para o trabalho e principalmente à condição de invisibilidade que se agravava à medida que sobre ela agiam a lei da gravidade e a perda de elastina da pele, a moça, já não tão moça, foi surpreendida pelo carro que a seguia devagar. Chegou a preparar-se para a fuga em disparada, afinal, ultimamente, quando um homem se aproximava dela, temia que quisesse roubar a sua bolsa. Foi surpreendida, porém, pelo alto rapaz que saltava do carro e pedia que ela não se assustasse.

            Explicou que costumava observá-la todos os dias quando ela caminhava para o trabalho. Que a achava bonita, elegante e atraente. Apenas sorriu amareladamente, pois perdera o hábito de receber elogios masculinos. Invisível, há quanto tempo andava invisível. Teve, porém, a destreza de estudá-lo: alto, corpo musculoso, aliás músculos bastante abundantes, um sorriso aberto e aparentemente franco. Uns vinte e três, vinte e sete anos no máximo. Em suma: apetescível. Aceitou lhe dar o número de seu telefone e qual não foi a surpresa quando no mesmo dia ele telefonou.

            Encheu-se de interesse e esperança. O inusitado, afinal, acontece. Para ser surpreendida por inesperadas alegrias, basta enfim estar viva. O romance, enfim, o romance. Marcaram um novo encontro para o dia seguinte, no mesmo local e horário. Nesse segundo encontro, ele se apressou em informá-la que preferia as mulheres mais velhas, que se aborrecia com garotinhas. Contou também sobre sua preocupação com a aparência, sobre os muitos esportes que praticava. Sutilmente, pegou sua mão e colocou sobre seu abdome tanquinho. Ela constrangeu-se um pouco, mas achou o gesto no mínimo excitante.

        Marcaram um terceiro encontro, dessa vez num café ali perto do estacionamento. Ele não tinha muito a declarar. Sorria, sorria e sorria. Ela relevou, afinal já conhecera, em tempos remotos, suficientes homens para não esperar manter com a maioria diálogos instigantes ou profundos. Se desejasse conversas temáticas, terapia de vidas atuais e passadas, deveria procurá-las com as amigas. No mais, que homens e mulheres se deitassem no leito de Procustes.

Novamente o assunto de sua predileção: os cuidados que tinha com o corpo, os esportes que praticava. “Você parece um tanto exibicionista”, ela falou sem pensar. Ele não se deu por ofendido: “gosto mesmo de me exibir”. E levantou a camisa para mais uma vez mostrar, agora à visão e não ao tato, os gominhos de sua trabalhada anatomia. E se insinuava e se jogava sobre ela, ensaiando íntimas carícias.

            Ela começou a pressentir que algo não marchava bem, afinal quando a esmola é demais a santa desconfia. Ela ainda tinha lá seus atrativos, mas sabia que não era nem nunca fora mulher de parar o trânsito. Não seguia os padrões convencionais de juventude e gostosura vigentes no Brasil e mais ainda em Goiânia, habitadas por mais loiras do que toda a Dinamarca, com cabelos longos de Rapunzel, calças mais justas que a justiça divina e silicone aos litros.

Mais uma vez, porém, justificou o inusitado do jovem interesse, considerando o fato de que ele não era goiano e sim pernambucano, e que, portanto, poderia ter um padrão de comportamento um pouco diferente. Os goianos jamais ou muito raramente abordavam uma mulher assim, de forma espontânea e direta. Nas viagens que já fizera a outros países e mesmo outros estados, já tivera a experiência de ser seguida nas ruas, de ser abordada por desconhecidos. Eram tempos diferentes aqueles, é verdade, era talvez uns dez anos mais jovem, mas havia um clima favorável às perseguições amorosas mesmo entre a fumaça e dureza das ruas, e da rotina. Algo absolutamente incomum por aqui, onde os homens são incapazes de dar sequer um passo à frente pela mulher que desejam.

Considerou o que certa vez lhe dissera um namorado paulistano sobre os homens da terra goyazes. “São um misto de arrogantes com tímidos, custam se aproximar de uma mulher e, quando se aproximam, ou se rasgam em exagerados  e dissimulados elogios, em clichês vergonhosos e desavergonhados, ou são laconicamente broncos, simplesmente laçando-as ou enlaçando-as, contando com a sorte de que elas estejam em dias de cio”. Sim, porque, como dizia ele: “por aqui as mulheres ficam com os homens porque decidem ficar, porque num determinado dia saem de casa firmemente decididas a dar: hoje beijarei alguém, hoje dormirei com alguém, n`importe qui ou quoi, não porque sejam cortejadas ou seduzidas.”

            Alertada por qualquer instinto ancestral de autopreservação e tratando de segurar bem a bolsa, começou a indagar sobre o que ele fazia da vida. Tinha sim um emprego, mas só trabalhava pela manhã, à tarde desenvolvia outras atividades. De repente perguntou-lhe a queima-roupa, de forma que ele foi pego no susto e não teve como se esquivar. “Desculpe, se te ofendo, mas por tudo que observei até agora, me parece que você ganha a vida fazendo a corte às mulheres,  não é verdade?” Um tanto surpreso, mas sem ruborizar, ele respondeu: “e se eu assim vivesse, de você não iria cobrar”.  E sorriu, seu sorriso aberto e franco.

Foi quanto bastou. Ela voltaria de bom grado para sua cômoda invisibilidade, afinal, a primeira vez poderia ser amostra grátis. As outras, porém, quem saberia? E pelo menos para ser invisível não precisava pagar nada. Que se danasse o romance. Ele já não existe neste tempo e lugar.

15-05-2011

Fervura

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(Ou quando uma mulher dá sopa)

 

O piscar de olhos-cebola fica mais lento.

Os lábios, tomates intumescidos.

Até os músculos da face, alfaces trêmulas.

E nem se fala do que ferve

sob o caldeirão do vestido.

 

 

 

08-03-2011

Em mulher se bate com flor

 

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           Tenho uma conhecida que foi espancada por um vaso de margaridas. E outra que levou uma boa sova com um botão de rosa. E nessas datas comemorativas, dia das mães, dia internacional da mulher, só não apanha melado quem não quer. É um tal de distribuir rosa avulsa, um tal de reportagem rosa-melosa na TV, mostrando mulher frentista de posto de gasolina ou em outras ditas profissões masculinas, passando batonzinho, pra não perder  o charme e o clichê.

             Sempre que se vai mostrar a participação incomum ou minoritária da mulher em alguma atividade ainda  ou supostamente convencionalmente masculina, está lá a pobre pagando o mico de retocar a maquiagem ou pentear os cabelos, para dizer, em redundância que “não perdeu a feminilidade” e que sempre “arruma um tempinho para a vaidade”. Ainda que os cabelos da frentista estejam ocultos sob o boné – o repórter trata de descobri-los –, ou que passar o batom olhando-se no retrovisor do carro seja algo banal e rotineiro para todas as mulheres, não uma peculiaridade das pilotos de rally, esses gestos são promovidos a representação de gênero. E a vaidade é considerada um atributo essencialmente feminino, como se não tivéssemos chegado ao tempo dos metrossexuais.

            Não se veem, por outro lado, reportagens sobre homens executando atividade tipicamente feminina que elejam como representação de gênero o momento em que interrompem a atividade para se coçar. Não me lembro de ver matérias sobre cabeleireiros que, a despeito de modelar cachos, continuam cabras machos.  Ou sobre cozinheiros, rebatizados chefes de cozinha, mostrando que o homem pode trabalhar com ternura, não deixando assim de endurecer.

            Diz o ditado que mulher não se bate nem com flor, pois muitas vezes é com flor que nos batem. Com esses diminutivos, rosas entregues no dia internacional da mulher, acompanhadas de frases manjadas e vazias – a eles, o trono; a elas o altar - , que nos menosprezam, espancam e nos querem matar ou calar. Nada contra receber flores e sentimentos, mas agradecemos se vierem acompanhadas de um bom aumento. A gente não quer flor, nem rima pobre, meu amor.  A gente quer cobre, querido, que da última vez que flor encheu barriga, o resultado foi visto nove meses depois.           

            A propósito, lembro-me de uma colega de trabalho que foi pedir um aumento salarial ao chefe e recebeu dele a seguinte resposta carregada de ironia: “você ganha pouco, mas também gasta pouco, tem poucas despesas”. Ora, aquela ninharia era mais do que suficiente para comprar seus alfinetes. Como se nossos salários hoje custeassem ainda apenas rendas e fricotes, fendas e decotes. Justamente quando pesquisas mostram ser cada vez maior o número de mulheres chefes de família, que continuam ganhando, no entanto, salários menores do que seus companheiros de atividade.

 

            Texto escrito e publicado originalmente em O Popular em 2009. Mas de lá para creio que não há nada de muito novo sob o sol, exceto talvez pelo fato de que hoje há uma mulher na Presidência. Porém, mulheres nos cargos de chefia ainda são minoria. Será por quê? Será que nos faltam competência, ousadia ou ciência de nosso valor?