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17-08-2007

Canjinha

9e150adb08c6a91d2a544f3181cc0624.jpg Quando menina-lamparina lá em Pontalina, minha mãe me arrastava às procissões – coroar, não coroei a santa –, não pertencia a tamanha importância, integrava a massa infantil das multidões. Assim mesmo atirava pétalas de rosa à imagem e pisava tapetes de flores na passagem. Cheia de contrariedade de desfazer tapetes bordados com tanto perfume e cuidado nas calçadas tantas vezes descalças, elas e nós. Mas o que mais me aborrecia é que inveja eu tinha de não vestir de anjo de camisolão, com que iam os meninos da diretoria e primeiro escalão. Camisolões azuis celestes rosa espinho amarelo bebê e asas brancas, brancas, brancas, verdadeiro buquê de serafins. E eu perguntava a mamãe por que diabos não tinha asas eu só pra mim? Ela dizia, pra sarar inveja que anjinhos pagavam promessa. Seus pais os vestiam assim, porque contraíram doença, mas por reza e penas da santa não tinham virado canja de anjo lá no céu. Eu devia me conformar, portanto, e até me dava morbidez saber que, por sorte, de ser anjo não chegara minha vez. Mas com nada se conforma uma criança e até hoje tenho esperança de carregar asas também. Que os anjos cedo, porém, não digam amém. Sei agora que não se compra indulgência nem com asas se paga penitência, nem lugar ao lado direitíssimo do deus pai. Mas a fantasia - para sorte e sem risco de morte minha, sem procissão e ave-maria, essa posso comprar em dez vezes e sem ex-votos no mastecard.

16-08-2007

Em bons lençóis

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Hoje me encontro
em bons lençóis.
Já não durmo a insônia
dos que sonham sós.

Não seco a dor na fronha,
não me reviro no virol.

Não mais acorrentada
aos pés da cama,
atrás da porta,
sofrendo Elis
Regina
e tanto quanto se imagina
quando se pensa morta.

Não mais
sepultando-me no quarto,
com todas as luzes apagadas,
e caixas caixas caixas caixas
forjando presentes que eu me daria.
Eu ali, cápsula,
alegria capciosa
nas caixinhas cor de ro...

Hoje, só rosas
e o cheiro fresco
das laranjeiras
nas roupas novas.
E joaninha,
que entre dois
se aninha.

07-08-2007

O fabuloso mundo das calcinhas

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Fabuloso e injustamente explorado o mundo das calcinhas. Nunca ganharam uma campanha publicitária, como aquela célebre: “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”. Naturalmente, pois, afinal, qual de nós se lembra da primeira calcinha? Éramos pouco mais do que um molde de gente, quando as fraldas foram substituídas por elas. Vamos fazer-lhes justiça. Podemos nos vestir como verdadeiros caminhoneiros, mas ali por baixo de nossa armadura, ela reinará: a calcinha, nossa marca, exclusivamente feminina. Nossa identidade.
A lembrança mais remota de que tenho de uma calcinha em minha vida era daquelas com as quais costumava se embonecar as meninas, no tempo em que, para o bem e o mal de bonecas, devíamos trajar cores suaves, bordadinhos, babadinhos e saias bufantes – e não as roupas de mulheres em miniatura de hoje. Tinha rendas no bumbum e com ela vivi um divertido episódio da infância na fazenda, de que me recordo mais pela imaginação do que pela memória.
Minha mãe e irmã, para se divertir às custas da minha pequenez, estumavam o vira-lata atrás de mim. Parecia enorme a distância entre a varanda da casa e a porteira. Eu corria, o cachorro disparado atrás. E quando finalmente, com minhas pernocas curtas, alcançava as primeiras tábuas da porteira, o cãozinho já estava lá dependurado nas rendas, rosnando. Eu abria um só berreiro.
Mas, exceto por esse episódio, nunca tinha reparado muito nelas, não lhes dava mais atenção do que às meias. Usava o que minha mãe me comprava, sem ligar a cores ou modelos. Apenas tomava o cuidado de não usar uma calcinha furada quando saía de casa, pois, como ela dizia, a gente nunca sabe o que pode acontecer. De repente, tem uma sapituca no meio da rua e fica com os fundos de fora. E ainda, quando vestia roupa nova e calcinha velha, ela advertia: por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento – ditado que servia também para nos ensinar o cuidado com nossa higiene pessoal e nossos sentimentos.
A chegada da adolescência coincidiu com uma importante descoberta, propiciada por uma prima mais velha, moça feita. Foi ela a responsável por ingressar num novo mundo, em que as calcinhas deixaram de ser apenas uma peça de vestuário, para ser promovidas a signos. Dizia-me a prima que em uma casa onde houvesse moças solteiras, era bom ter sempre dependurada no banheiro uma calcinha preta ou vermelha. Onde já se viu isso?! Mais tarde eu aprenderia que esse hábito é não só mau gosto ou má educação, como calcinhas pretas e vermelhas podem ser mesmo um indício de outra coisa.
Aprendi também que não apenas as cores têm variados significados. Modelos e tecidos dizem muito sobre suas donas e intenções. Calcinhas de malha de algodão, confortáveis, recomendadas pelos ginecologistas; calçolas da vovó, que alcançam a linha da cintura; as de lycra; as rendadas; as fio dental; as comestíveis. Situações envolvendo esses modelos tornam-se muitas vezes verdadeiras anedotas. É clássica, por exemplo, a situação em que a moça, para resistir a ir para a cama com o rapaz em um encontro, usa o paradoxo de uma calcinha gigante. Não resiste, porém, e passa o maior vexame. São bastantes conhecidos também os casos em que não são usadas. Mas este já o fantástico mundo das sem calcinha. Assunto para outra crônica. Ou para revistas de celebridades.

Bunda rica!!!
P.S: Ao pesquisar imagens de calcinhas na internet, encontrei, em um site de vendas de roupas íntimas, a imagem de uma calcinha muito parecida com aquelas que usávamos na infância. Descobri que o nome desse modelo, cheio de rendinhas, é bunda rica. Que modelo será então o de uma calcinha bunda pobre?