17-08-2007
Canjinha
Quando menina-lamparina lá em Pontalina, minha mãe me arrastava às procissões – coroar, não coroei a santa –, não pertencia a tamanha importância, integrava a massa infantil das multidões. Assim mesmo atirava pétalas de rosa à imagem e pisava tapetes de flores na passagem. Cheia de contrariedade de desfazer tapetes bordados com tanto perfume e cuidado nas calçadas tantas vezes descalças, elas e nós. Mas o que mais me aborrecia é que inveja eu tinha de não vestir de anjo de camisolão, com que iam os meninos da diretoria e primeiro escalão. Camisolões azuis celestes rosa espinho amarelo bebê e asas brancas, brancas, brancas, verdadeiro buquê de serafins. E eu perguntava a mamãe por que diabos não tinha asas eu só pra mim? Ela dizia, pra sarar inveja que anjinhos pagavam promessa. Seus pais os vestiam assim, porque contraíram doença, mas por reza e penas da santa não tinham virado canja de anjo lá no céu. Eu devia me conformar, portanto, e até me dava morbidez saber que, por sorte, de ser anjo não chegara minha vez. Mas com nada se conforma uma criança e até hoje tenho esperança de carregar asas também. Que os anjos cedo, porém, não digam amém. Sei agora que não se compra indulgência nem com asas se paga penitência, nem lugar ao lado direitíssimo do deus pai. Mas a fantasia - para sorte e sem risco de morte minha, sem procissão e ave-maria, essa posso comprar em dez vezes e sem ex-votos no mastecard.
08:40 | Permalink | Comentários (0)
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