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30-07-2007

BLOGAGENS

Sexo por compaixão,
maternidade por egoísmo



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Nesse final de semana, assisti a dois filmes, um espanhol e outro argentino. E não foram exatamente aqueles filmes desesperadamente depressivos que eu, Aline e Paulo costumávamos assistir nos domingos de tédio, para "puxar angústia", como diria Fernando Sabino. Nada que se compare ao absolutamente deprê "Às segundas ao sol", de Fernando León de Aranoa. Nada tão down que me fizesse achar o suicídio uma opção divertida.
Assisti primeiramente a "Sexo por compaixão", um filme engraçado de Laura Maña, na verdade uma produção da Espanha e do México. A gorduchinha Dolores, uma mulher de generosidade extrema, depois que é abandonada pelo marido Manolo, justamente por seu excesso de generosidade, começa a prestar seus serviços amorosos e generosos aos homens da cidadezinha sem cor e graça.
Tudo o que ela deseja é pecar, um sentimento que desconhece absolutamente. A cidadezinha, naturalmente, torna-se colorida depois que ela se torna Lolita - efeito do próprio filme, que havia começado em preto e branco. Mas não é esse expediente, até bastante comum no cinema, que lhe confere graça. O encanto está mesmo no desdobramento surpreendente das ações e, claro, no comportamento de Dolores, que entrega seu corpo, não por desejo ou por dinheiro, mas simplesmente por se apiedar das dores dos homens.
Além do filme de Laura Maña, assisti também a "Roma, um nome de mulher", dirigido por Adolfo Aristarain. A produção argentina e espanhola conta a história de um escritor que está compondo sua biografia, marcada pela figura forte da mãe Roma. Foi aliás o comportamento dessa mulher, eixo da narrativa, o que mais me impressionou, justamente porque, na forma com que educa o filho Joaquin desmistifica um monte de invencionices culturais acerca da maternidade.
Em um dos diálogos, após, sem que o filho soubesse, Roma ter vendido seu piano para que ele pudesse viajar para Madri, ela faz e fala o contrário do que a maioria dos pais costuma dizer a seus filhos. Ela diz que Joaquin não lhe deve nada, mas ela deve a ele. Que não foi ela que lhe deu a vida, mas ele que conferiu vida a ela.
Para mim, esse e outros trechos expressam perfeitamente a idéia que tenho da maternidade e da paternidade. Não acredito que sejam um gesto de generosidade, como a maioria dos pais gosta de dizer aos filhos e sim um ato de egoísmo. E assim resultam ilegítimas as típicas chantagens: "eu me sacrifiquei tanto por você".
Pode-se ser generoso sim na educação, na formação dos filhos, abrindo mão dos próprios prazeres para propiciá-los a eles. Mas, a decisão de ter filhos, de procriar, é um ato egoísta. Devemos estar dispostos a pagar um preço pelo prazer de procriar e educar, e não esperançosos de no futuro resgatar uma dívida. Já escrevi a respeito disso, com mais detalhes, em uma crônica publicada em O Popular, chamada "Não pedi pra nascer". Depois, pretendo publicá-la também aqui.
De qualquer forma, senti vontade de registrar o quanto a figura de Roma me impressionou: uma mãe que oferece as asas ao filho para que ele alce vôo para longe do ninho, em vez de simplesmente tolhê-lo como fazem muitos pais. Ela propõe claramente que Joaquin não sofra por não viver de acordo com o que "ele" acha que "ela" espera dele. Isso sim é criar um filho para que seja livre.

21-07-2007

Fora, forasteiros!

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Se a gente quiser, pode xingar os irmãos, até falar mal da própria mãe. Mas ai de quem, sem os vínculos da consangüinidade, sem pertencer à família, se atrever a criticá-los. Sentimos a ofensa nos próprios músculos. A intimidade nos dá algumas franquias, certos direitos a resmungos e críticas. Com nossa cidade também é assim.
Muitas vezes falo mal de Goiânia, critico seu transporte coletivo desumano, trânsito violento, calçadas irregulares, e sempre cheias de entulhos e placas para atravancar o caminho. Reclamo de sua gente e manias. Mas quando ouço alguém que não nasceu em Goiás, que chegou em busca de oportunidades ou por desvio do destino, tratá-la com empáfia e desdém, me arrepio. E com que freqüência isso acontece.
Nós que nascemos e sempre vivemos em Goiás, temos nossos defeitos, mas o que não se pode dizer dos goianos é que não sejam receptivos. Na maior parte do tempo, tratamos com simpatia, acolhemos bem quem vem de fora, às vezes bem até demais. Talvez porque nos sintamos um pouco menores, um tantinho quanto inferiores, na lonjura em que estamos dos grandes centros, com nossas raízes caipiras.
Não foi por acaso que governos lançaram até campanhas para elevar a auto-estima dos goianos. Perceberam a fragilidade de nosso amor-próprio e elaboraram anúncios sobre as belezas da terra, as qualidades da gente, as transformações da economia, que deixou de ser exclusivamente agropastoril. Surtiram algum efeito, ao menos elegeram seus criadores e de quebra ampliaram nosso orgulho. Ainda assim, continuamos permitindo que esculhambem nosso sotaque, os nomes diferentes dos nosso filhos, nossos costumes.
Somos tolerantes demais com os pretensiosos, com aqueles que vêm de outras partes do País, acreditando encontrar aqui, por causa de nosso jeito caipira de falar, somente analfabetos e ignorantes. Desconsideram toda a sociolingüística que demonstra não haver um registro superior. Chegam, reeditando o velho etnocentrismo, arrotando conhecimentos e competências que apenas eles crêem dominar. Como se aqui não houvesse pessoas competentes. O que talvez não tenhamos seja o zelo exagerado em exibir a própria fachada, em ser todo o tempo boa vitrine de nós mesmos. Somos acanhados, um tanto mineiros, limpamos os pés no tapete e pedimos licença pra entrar.
Aqueles que chegam com ares de superioridade e menosprezo podem ser chamados de forasteiros. E são no mínimo mal educados, ao cuspir no prato em que comem, ao escarnecer da casa e da cara do anfitrião. Não são os migrantes amorosos que adotam o lugar e se dão a adotar. Julgando-se espertalhões entre simplórios, procuram lugares de onde possam extrair oportunidades, que consigam explorar, sem compromisso ou amor pela terra que os acolhe.
A esses devemos perguntar por que, se nossa cidade e estado não são bons o bastante para eles, não dão o fora! Aliás, por que não ficaram em seus lugares de origem? Talvez porque bicudos não se biquem.Talvez porque lá tenham que viver em constante briga de arrogâncias e precisem de outra platéia para arrotar a pretensa importância.

12-07-2007

Deu nisso!

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Feliz era o tempo em que as mulheres ficavam com todo o ônus da reprodução. Nossa participação era mínima e incerta. No saudoso matriarcado, a linhagem era contada a partir da mãe, afinal não dava para saber se o filho era meu ou seu. Aí, nós, homens, percebemos que, em vez de deixar com elas o poder e a propriedade, bastava vigiá-las e trancá-las. E inventamos o maldito patriarcado que veio dar nisso.
No começo até que era bom. Colocávamos nelas nossas sementes e se não frutificassem, elas é que eram secas. Com nossa brilhante civilização, porém, descobrimos esses gametas do capeta. Antes, podíamos até repudiá-las se não nos dessem um filho varão. Só que vieram de novo os machos e suas magníficas descobertas: alto lá! É do menino que vem o pepino! Para piorar, ainda inventaram o tal do teste de DNA que impede a gente de se divertir impunemente. Você está ali, tranqüilo, bate uma mulher à porta: quem ajudou a gerar Mateus que o embale.
Eu sempre cuidei bem das minhas camisas de – Vênus, não! – Marte, Martírio. Não só comprava as mais reforçadas, como as enterrava nas profundezas do vaso sanitário. É que se multiplicaram as marias-barriga, capazes de fabricar furinhos minúsculos nos preservativos e vasculhar o lixo para colher nossa seiva e pensão alimentícia.
A hora da provação, porém, chega para todos. Casei-me com Sara Regina, que, como todas as mulheres, já nascem com essa idéia fixa de maternidade. Eu nunca tinha pensado nisso. Não me deixei contaminar pela doença que se alastrou entre os homens modernos. Só se sentem realizados se forem pais. Até aceitam trocar fraldas!
Eu e minha mulherzinha tentamos, nos empenhamos e nada! Ela ficou obsessiva, marcava o dia da ovulação, colocava travesseiros sob as nádegas para não perder uma só gota do precioso líquido. Por fim, neném nenhum. Submeteu-se a todos os exames possíveis e finalmente o maldito ginecologista sugeriu que o problema era meu.
Meu?! Então não era apenas vontade de Deus?! Aceitei fazer o espermograma. Faltava essa: ser um sujeito ralo. Mais humilhante que isso só entrar naquela salinha do laboratório, potinho na mão. Para nos dar algum estímulo, posters de mulheres nuas nas paredes e revistas. Mas Sara Regina me fizera prometer que nunca mais olharia aquele gênero de publicação. Tentei pensar apenas nela, me sentei, mas a cadeira, nada confortável, gemia escandalosamente.
Qualquer ruído lá fora e eu achava que iriam irromper pela sala. Sarinha teria que perdoar essa pequena traição. Comecei a folheá-las, mas todas pareciam tão gosmentas, que tive ânsia de vômito. Depois de supremo esforço de concentração, em pé mesmo, superei o terror de que das gotas respingadas no chão brotassem mandrágoras e ali deixei o potinho modestamente preenchido. Iriam resgatá-lo. Ao sair, atendentes e pacientes – mulheres, naturalmente! – me olhavam com um risinho mal escondido. A representação maior da desforra feminina.