Ok

By continuing your visit to this site, you accept the use of cookies. These ensure the smooth running of our services. Learn more.

22-10-2018

Marcos 8:36

resist.jpg

Para ouvir o podcast, clique aqui:
Marcos mp.mp3

 Ao final de tudo isso, 
alguém terá perdido
a paciência, o juízo,
o rumo
Alguém terá perdido a compostura,
as estribeiras,
o prumo
Alguém terá perdido amigos
Outro terá perdido a fé
em São Longuinho
Um terá perdido clientes,
o lenço e o documento,
a coragem de ser quem se é
Ao final de tudo isso,
alguém terá perdido o bonde da história,
o fio da meada,
terá perdido dinheiro,
a carteira,
mais perdido do que cego em tiroteio
Alguém terá perdido a vida, a voz, os óculos
Aquele, a glória póstuma,
Esse, a memória 
Ao final de tudo isso,
alguém terá perdido
a confiança,
o ônibus,
a missa de domingo
Outro, o rebolado
Mais perdido do que cachorro
em caminhão de mudança
Um terá perdido os dentes,
os cabelos da cabeça,
a vergonha na cara,
o sono,
o dia de pagar as contas,
a data da prova,
a admiração pelo time preferido,
o desejo de amar
Alguém terá perdido a visão,
a chance,
as chaves, as horas,
o encontro
Esse, a voz, o ânimo, o respeito
Um que estava alheio a tudo isso,
ao acordar dirá:
mas o que é que eu perdi mesmo?
Este perdeu a chance de ficar calado,
Aquele, a de falar
Mas alguém terá ganhado a eleição
e para quem ganha hoje
é isso  o que importa,
ainda que tenha se perdido na escuridão
E existem aqueles que embora percam
nunca perderão.

 

06-07-2018

Sinfonia

 

DSC_0005a.jpg

Foto: Rimene Amaral

 

Para ouvir o poema, clique aqui:

Sinfonia.mp3

 

Você que tem mais coragem de passar fome
que botar a boca no trombone.
Você que carrega o piano
e tem que ficar pianinho 
diante de quem te leva no bico da flauta.
Você que por fora
bela viola,
e por dentro
arrebenta as cordas do coração.
Você que enfia a dignidade, a melodia, a viola no saco,
sabendo que tem gato gordo nessa tuba.
Você que ouve o ronca-ronca da cuíca e da barriga.
Você que de tanto sofrer caladinho
já está só o cavaquinho.
Você que toca um chorinho,
sem repercussão.
Você que tá tendo a pele arrancada pra fazer tamborim.
Você que clama em surdina
e ouve um silêncio orquestrado.
Você que não canta em coro
e por isso leva no pandeiro,
e que não aguenta mais de dor no tambor.
Você que não quer mais ser regido
por gente que toca o terror
e toca baixo.
Você que não quer ser usado como instrumento.
Você que quer escolher a própria partitura.
Vocês são muitos.
Acordeões.
Saquem esse saxofones.
Vocês juntos são bandas de banjos contra bandos de marmanjos manjados. 
Vocês juntos são sinfonia. 

 

02-05-2016

Coincidências

chave.jpg

Foto: Memorial do Cerrado (PUC- Goiás)

 

Estranhas coincidências deram de repente
para se dar comigo.
É gente que eu não via há anos
e belo dia passo a esbarrar todos os dias
pelas esquinas.
São reencontros festivos
com gente desconhecida
e, num par de minutos,
já estou a par de toda a sua vida,
como se fôssemos velhos amigos.
Eu estou folheando um álbum de fotografias antigo
de um tempo em que eu nem havia nascido
e não é que encontro ali
o meu próprio retrato!
São presentes que me chegam por todas as vias,
pelos Correios,
do inopinado.
É gente que chega e parte
por um único intervalo de tempo,
mas sua chegada é tão avassaladora,
que ao partir,
já não sou a mesma,
mas outra.
E sei que por ela também passei,
transformadora.
São antepassados
que procuram por seus descendentes
e o futuro que os convoca no passado.
É gente, muita gente,
coincidente!
E toda coincidência
é uma mera obra do acaso,
mas uma obra inacabada.

Para ouvir o poema, clique aqui:
podcast

Música: Woody Allen - Songs from Woody Allen's Films (Meia Noite em Paris)