25-06-2006
Talco e tantos alfinetes
Ela é tão só e a vontade de ser mãe está tão lá que leva carrinhos de compras pra passear. Todos os dias, no parque ou na pracinha, ela estaciona entre carrinhos de bebê que ninguém vê.
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24-06-2006
Impressões de uma fazenda que virou taperão
I Com o tempo, até o arame farpado, abandonado em rolos arrepiados, vira capim. O braquiara transforma em si mesmo a coisa amada. Braveza e farpa num mesmo nó agora são um só. E nele galinhas chocam ovos e vacas pastam, bocós! II Enquanto isso, dois cochos apaixonados, em intersecção trocam o sal mineral das palavras e as impressões de seus toscos corações de aroeira. III O braquiarão, persistente, abraça as farpas do arame, sem temer cortar-se. Logo este, beligerante, que pretende prender até as rodas d` água, que já não corre mais como antes – desnecessárias elas no tempo das minas abundantes do antigamente. IV E nesse enquanto o céu e o pedregulho preparam a represa para a viagem circular pelas estrelas. V Caverna de água e sombras de Platão em traços de impressão. Qual árvore será verdade e qual vendaval? Qual me leve e livre e qual me lave e salve? E de onde virá o louva-deus? E por quais sinos dobram as bananeiras? VI O tempo é mesmo implacável! O tempo derruba cercas antigas de aroeira. E o paiol de milho que antes abrigava a fartura das colheitas e filhotes de gato sem família hoje é apenas uma porta aberta para a vastidão do pasto e para a solidão infinita. VII O tempo tudo avacalha e tudo vilipendia. O jacá de palha e o carrinho de mão, antes pesados e livres, são apenas ninhos imóveis cobertos de titica, suspensos na gameleira, que em si não se equilibra, apoiada em troncos amputados, muletas de seiva morta, pra manter a sombra torta. VIII Antes frondoso exílio de menina, hoje poleiro de angolas e galinhas, hotel de jacaré, que como o barão de Calvino exilou-se no alto das árvores, para fugir a seu destino e do alto chorar lágrimas e seivas de crocodilo e ter no jantar deliciosos passarinhos. Deus às vezes corrige a criação e dá asas a animais de sangue frio! IX Juras provisórias de amor de um certo Antônio Alves, que ninguém sabe quem é, que amava uma tal de E.... E de Etelvina, de Eterna, de Élida Divina e que não contou pra ela que da gameleira se fazem gamelas. X E ali, perto da inscrição a canivete galhos que se confundem como pernas e braços a gemer no inferno de Dante Alighieri e Gustave Doré. XI Dessas impressões de uma fazenda tornada Taperão se conclui que: o tempo e as galinhas tudo transformam em ninho. Nada escapa à sanha de inverter-se e de ter pintos. Rolos de arame farpado. Caixotes. Velhas manilhas. Pneus há muito rodados. Pilões de monjolos desativados. Regos d´água secos de riachos deprimidos. E até chapéus de palha, que saíram a cavalo ou a passeio e jamais voltaram para o seio de seus cabides. O tempo deixa mesmo esse olhar contemplativo para as paredes. XII E de tanto fuçar e ler, passei a ver na casinha em que se guardam badulaques e tranqueiras, fazendeiros do ar que respiro. Invisíveis, montados em arreios, balouçando estribos! Obs: Outras fotos que ilustram esse texto podem ser vistas em meu flickr ( http://www.flickr.com/photos/cassia_fernandes/) e no álbum deste blog.
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22-06-2006
O Anjo da Guarda
São dois irmãos. Filhos do vaqueiro da Fazenda Taperão. Jogavam futebol na derradeira hora do dia, hora da ave maria. Um deles se abaixava pra pegar a bola. Suas mãos espalmadas, a sombra que por trás se projetava e até mesmo o caminhãozinho de brinquedo com as rodas pra cima lembraram-me um quadro nas paredes da infância: o Anjo da Guarda protegendo as crianças quando a bola rolava para o abismo da desesperança.
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