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24-06-2006

Impressões de uma fazenda que virou taperão

medium_fotos_taperao_004.jpg I Com o tempo, até o arame farpado, abandonado em rolos arrepiados, vira capim. O braquiara transforma em si mesmo a coisa amada. Braveza e farpa num mesmo nó agora são um só. E nele galinhas chocam ovos e vacas pastam, bocós! II Enquanto isso, dois cochos apaixonados, em intersecção trocam o sal mineral das palavras e as impressões de seus toscos corações de aroeira. III O braquiarão, persistente, abraça as farpas do arame, sem temer cortar-se. Logo este, beligerante, que pretende prender até as rodas d` água, que já não corre mais como antes – desnecessárias elas no tempo das minas abundantes do antigamente. IV E nesse enquanto o céu e o pedregulho preparam a represa para a viagem circular pelas estrelas. V Caverna de água e sombras de Platão em traços de impressão. Qual árvore será verdade e qual vendaval? Qual me leve e livre e qual me lave e salve? E de onde virá o louva-deus? E por quais sinos dobram as bananeiras? VI O tempo é mesmo implacável! O tempo derruba cercas antigas de aroeira. E o paiol de milho que antes abrigava a fartura das colheitas e filhotes de gato sem família hoje é apenas uma porta aberta para a vastidão do pasto e para a solidão infinita. VII O tempo tudo avacalha e tudo vilipendia. O jacá de palha e o carrinho de mão, antes pesados e livres, são apenas ninhos imóveis cobertos de titica, suspensos na gameleira, que em si não se equilibra, apoiada em troncos amputados, muletas de seiva morta, pra manter a sombra torta. VIII Antes frondoso exílio de menina, hoje poleiro de angolas e galinhas, hotel de jacaré, que como o barão de Calvino exilou-se no alto das árvores, para fugir a seu destino e do alto chorar lágrimas e seivas de crocodilo e ter no jantar deliciosos passarinhos. Deus às vezes corrige a criação e dá asas a animais de sangue frio! IX Juras provisórias de amor de um certo Antônio Alves, que ninguém sabe quem é, que amava uma tal de E.... E de Etelvina, de Eterna, de Élida Divina e que não contou pra ela que da gameleira se fazem gamelas. X E ali, perto da inscrição a canivete galhos que se confundem como pernas e braços a gemer no inferno de Dante Alighieri e Gustave Doré. XI Dessas impressões de uma fazenda tornada Taperão se conclui que: o tempo e as galinhas tudo transformam em ninho. Nada escapa à sanha de inverter-se e de ter pintos. Rolos de arame farpado. Caixotes. Velhas manilhas. Pneus há muito rodados. Pilões de monjolos desativados. Regos d´água secos de riachos deprimidos. E até chapéus de palha, que saíram a cavalo ou a passeio e jamais voltaram para o seio de seus cabides. O tempo deixa mesmo esse olhar contemplativo para as paredes. XII E de tanto fuçar e ler, passei a ver na casinha em que se guardam badulaques e tranqueiras, fazendeiros do ar que respiro. Invisíveis, montados em arreios, balouçando estribos! Obs: Outras fotos que ilustram esse texto podem ser vistas em meu flickr ( http://www.flickr.com/photos/cassia_fernandes/) e no álbum deste blog.

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