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24-01-2008

A barriga maior que o olho

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Sabe aquela sensação de quando a gente é menina, véspera de aniversário e a gente pressente ou imagina ou suspira que o dia seguinte será todo nosso, de que um presente nos espera na esquina, no alto do armário, sob mistério, embrulho e laço, de que naquele dia terão cuidado com a gente de propósito, não nos virão entristecer ou contrariar, e mamãe irá preparar a comida preferida e nem irá reclamar a chinela no nosso bumbum da vida?
Sabe quando é véspera e a gente não dorme, o lençol que devia servir pra cobrir, não cobre, e a manhã nunca demorara tanto pra amanhecer? Sabe? O tempo tinha me feito esquecer o que era a alegria da véspera, a euforia da véspera, a fantasia da véspera, a delícia de acordar num sábado, saber que não há aula ou dever, e começar o dia assistindo a desenho animado na tevê. A maravilha de um caderno novo, limpinho, com todas as páginas tinindo pra ser escritas e pingar ali a primeira saliva de tinta.
Sabe que agora é como me encontro, em sentimento de véspera todos os dias, e a insônia nem é do desconforto da barriga que cresce e pesa? É a mais doce das doces ansiedades, obsessões-compulsivas. Mal conter-se. Mal caber-se você e o outro em si, e manter-se inquieta. Alisar cada fralda e flanela, como se a pele dele já estivesse nela. Ver nos desenhos e bordados a face de um desconhecido que já é amado. Sair pra comprar sapatinhos como pássaro que juntasse gravetos pra formar o ninho.
Sabe? É assim a sensação da espera. É assim ser a própria caixa em que está sendo transportado para o mundo nosso maior e melhor presente, o mais valioso e delicado, aquele por nós fabricado, o presente que é ser gente e que só nos é emprestado por um breve momento, e que irá dar sentido a tudo o que não faz sentido, e que explica por que temos no meio esse olho estranho que nos espreita, a vida inteira, chamado umbigo.
Então toda a inveja que a gente podia ter de ser menino-homem desvanece. Porque nada do seu pênis, carros, cargos, de sua conveniente insensibilidade masculina se iguala ou nos interessa. Porque tudo o que queremos está dentro. Temos afinal a certeza do que realmente importa, os nossos verdadeiros e seletos desejos claramente se mostram. Finalmente, não é mais o olho que é maior que a barriga. Tornou-se maior o ventre, que não serve apenas para dar apetite insaciável e criar lombriga.
A gente, pretensiosa, se sente a primeira molécula de carbono na sopa primeva do oceano. O que é incrivelmente corriqueiro e simples nos parecendo complicadamente raro. Um mero processo biológico-químico que se repete há séculos e, no entanto, como algo assim tão incrível pode sobrevir a mim, um ser tão imperfeito e cético?
Esse amor de espera é mal agüentar-se de vontade de abrir-se. Todavia, é imperioso guardar-se, em segredos e conspirações de células e sentimentos, porque o que tanto esperamos, o que tão pacientemente embrulhamos e desembrulhamos, na verdade, não nos pertence. A maternidade é paradoxalmente um ato de generosidade e egoísmo. Damos ao outro a vida, nos damos a nutri-lo, mas é a nós mesmos que o presenteamos com um cartão de bem vindo!

Comentários

Humm...se bem entendi, vc vai ser mamãe????
Se sim, Parabéns!!!!
Se não, Parabéns também porque o texto é ótimo!!!

Escrito por: Huguinho | 26-01-2008

A foto de sua barriga está linda e a crônica comovente...
Você traduziu esse momento com muita delicadeza. Parabéns! Beijo, Alessandra

Escrito por: Alessandra Antonioli | 27-01-2008

gostei muito. Essa idéia da sensação boa da véspera foi muito bem sacada.

beijo

Ana

(não abandone nosso livro!) :))

Escrito por: ana maria santeiro | 30-01-2008

Que maravilha de texto Cássia!!!!
Fiquei emocionada!
Parabéns !

Escrito por: bernadete | 09-02-2008

Excelente. Gostei muito.

Escrito por: Milton Ribeiro | 12-02-2008

Parabéns...chegou a grande hora e você, como poucos, sabe sorve-la. Que felicidade....que lindo modo de compartilha-la. Que os deuses os abençoem: Pai, Mãe & Filho !!!

Escrito por: Zé | 18-02-2008

Você escreve muitissimo bem, lindo..É por ai mesmo, deu uma saudade de minhas gravidez, beijos

Escrito por: Taty Movel | 21-02-2008

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