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11-01-2008

Amarelecer

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De repente a gente não sente aquele entusiasmo, aquela confiança cega no futuro, já não tem a sensação de que todos os obstáculos podem ser saltados em olimpíada, de que no final tudo vai dar hollywoodianamente certo, de que o sucesso profissional e a felicidade amorosa nos esperam no virar de algumas esquinas.
Subitamente, a gente se dá conta que envelhece e que grande parte, não tanto de nossas esperanças, mas de nossas ilusões, fenece. E não são apenas as rugas na descida dos olhos que nos conferem um ar fatigado, nem somente sulcos rasos que se transformam em cisternas em torno da boca, bochechas em franca queda e que nos convertem num tipo de pierrô deprimido. Há uma mudança a se operar dentro e é ela, mais propriamente do que os efeitos deletérios do tempo sobre os músculos e a pele, que nos rouba o tal do brilho juvenil dos olhos.
Confrontados no espelho, lembramos que teoricamente ainda somos jovens e estamos ou deveríamos estar em nossa fase mais entusiasta e produtiva. Mas e os adolescentes, os vestibulandos confiantes e competitivos que pensam escolher uma profissão promissora, os profissionais na faixa dos vinte anos que anseiam progressos rápidos em suas carreiras, criticando impiedosamente tudo e todos? Um dia, remotamente, também já fomos assim: ávidos, algumas vezes arrogantes, meio inconscientes, sem tanto medo do novo e do ridículo.
A gente também se espremia, grupos extensos de amigos repentinos, para caber no 10 por 15 da fotografia, ostentando uma alegria eufórica e rasa, como se vida fosse festa todos os dias. A gente também ria à toa de qualquer coisa e jurava não repetir os erros dos pais, dos derrotados, dos mal-sucedidos. Beijava os dedos em cruz prometendo que não iria se enterrar num casamento tedioso e emprego infeliz. Ansiava pelo final de semana, acreditava que tudo poderia acontecer num sábado à noite, que começaria dieta e mudaria de vida na segunda-feira.
Minha mãe costumava cantar, quando me via devaneando: “todo menino é um rei, eu também já fui rei”. Já há certo tempo, sou minha mãe e tenho me flagrado lançando para as mulheres mais jovens um olhar fronteiriço entre a inveja e a pena. Inveja de sua alegria meio tola, de seu riso frouxo, vontade de casar, promessas de amor eterno e otimismo burro para com a vida, burro porque baseado apenas na esperança e na intuição, sem nenhum respaldo de razão e experiência. Precisamente os traços que, tanto quanto peitos em riste e peles lisas, fascinam os homens, e que paradoxalmente nos fizeram avançar. Se não fosse por eles, não teríamos forças ou coragem para prestar vestibular, tirar carteira de motorista, situações de estresse e teste que se tornam muito mais difíceis depois que viramos o Cabo dos Trinta Anos.
É que me recordo um pouco de mim quando as vejo, embora eu nunca tenha sido exatamente modelo de entusiasmo e alegria. Hoje me acomete, porém, um cansaço, sensação, como na canção do Chico de que “já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor”. Uma certeza de que as pedras do caminho já me são familiares, de que as venho recolhendo num embornal de frustrações e ressentimentos. Será isso o que chamam de amadurecer? Amarelecer. Amarelecemos. O que fazer para enverdecer novamente?

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Comentários

Às vezes acho que envelhecer é bom, porque junto vem a maturidade e a experiência. Só percebo que estou ficando velho, quando converso com a galera mais nova uns 4 anos.
Lendo seu texto e os das meninas do "De repente 30", estou começando a compreender porque minha amiga falou disse que depois dos 30 tudo é diferente.
Abraços

Escrito por: Huguinho | 13-01-2008

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