27-09-2007
Elogio da velhice
Não nos preparamos para a morte, para a velhice tampouco. Como se, fingindo que não existissem, deixassem de existir de fato. Paradoxalmente, tudo fazemos para adiá-las, porque evitá-las, nem com todos os esforços da ciência humana. Mas por mais que não admitamos que irão se abater também sobre nós, que relutemos a refletir sobre elas, todo o tempo se insinuam, inevitáveis, inexoráveis.
Se ainda jovens, olhamos os velhos num misto de desprezo e comiseração. Os mortos, com assombro e piedade. Uso aqui a palavra velhos porque acredito que as expressões idosos, de terceira ou melhor idade são eufemismos para atenuar o mal estar que a velhice nos provoca, e para disfarçar a incapacidade de lidar com ela desde bem cedo e de nos preparar para sua chegada fatídica. Ao evitar a crueza das palavras, reforçamos o tabu em torno do tema. Sim, pretendemos não ofender e fugir à discriminação, eliminando expressões que ganharam peso pejorativo, mas também varremos a verdade para debaixo do tapete da gentileza.
Afinal, o que será que tanto nos horroriza na velhice? Será seu parentesco e proximidade com a morte? Por que pessoas velhas reclamam tanto de que os jovens se afastam delas e as desprezam? Será apenas porque o tempo transforma os traços do corpo associados à beleza e à juventude? Não creio, por mais que estejamos em um mundo que valoriza demasiado o jovem e belo.
O que noto é que os velhos, não todos, mas grande número, tornam-se carentes, amargos e queixosos, desagradáveis mesmo ao convívio. Olham entre nostálgicos e ressentidos para o passado. “No meu tempo era assim, assado e melhor servido. O mundo não me deu o valor devido. Quando jovem, um portento. Velho agora, cão sarnento”. Em vez de transformar em sabedoria a experiência, viram profetas apocalípticos, com terríveis vaticínios para os jovens.
Assim como a morte não nos promove a santos, a velhice também não nos converte em sábios e bons. Muitos não amadurecem com a idade, antes caminham para o apodrecimento do fruto. Não raro, os velhos desprezados e queixosos de hoje foram os jovens arrogantes e egoístas de antigamente. Viveram avidamente num materialismo desenfreado, indiferentes aos outros e à passagem do tempo, e de repente, aterrorizados, surpreendem-se velhos! Aí, lamentam a má sorte e o abandono. Como na canção All by myself de Frank Sinatra, “when i was young i never needed anyone...”
Não justifico a atitude dos que agem com indiferença e crueldade para com seus velhos. Devemos proteger e cuidar dos que se tornam mais frágeis. Porém, para no futuro não desempenhar o papel de vítimas do tempo, devemos descer do salto de nossa arrogância insensata, nos preparar para envelhecer, nos lembrar de que nossas carnes rijas também vão virar carcaça. Se não quisermos que os jovens se afastem de nós, além de cuidar da bela viola de fora, não deixemos que o dentro vire pão bolorento. Precisamos conservar o frescor, se não da pele, do espírito, que fez da velhice não a decrépita e feia, mas a doce, sábia e serena. Já tive a sorte de conhecer velhos assim, juvenis, e de perceber o quanto o tempo pode nos lapidar, emocional e espiritualmente.
16:34 | Permalink | Comentários (2)
Comentários
Nhã! (Vou trocar as letrinhas pequenas. Na verdade, no meu micro elas estão normais - coisas de configuração)
Escrito por: pgalvez | 05-10-2007
Bom dia, Cássia.
O seu texto, sobre a melhor idade - ou, melhor dizendo, evitada idade para alguns - nos faz refletir sobre os idosos e os prós e contras da idade. É como você disse: a maior parte das pessoas evita os idosos, mas sabe / ou pelo menos finge saber, que um dia irá ficar tão velho quanto. E sim, na maior parte dos casos, os velhinhos, hoje ditos 'rabugentos' sofreram ou foram insensatos então na juventude. Tenho uma idosa em minha casa e, diariamente, vejo tudo o que sofre, com as doenças que lhe afligem. Sofreu muito, quando nova, e no início de sua velhice, fora muito rabugenta. Agora, porém, está mais doce, pois vê que nada adiantou. Entretanto, os seus filhos, que eram para ser queridos, continuam sendo, mas afastados dela. É triste. Infelizmente, essa parte - de se afastar, principalmente dos pais quando velhos - é que deveria mudar, dependendo da situação. Afinal deram, além da vida, alimento, sustento - quando dão - e uma formação. De certa forma, é devido a eles que estamos aqui, e, em alguns casos, é por eles que continuamos.
Abraços e fique com Deus. Gostei de seu texto.
Samira
Escrito por: Samira | 06-10-2007
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