Ok

By continuing your visit to this site, you accept the use of cookies. These ensure the smooth running of our services. Learn more.

24-05-2007

Despeitada

medium_joana_darc.2.jpg Se não fosse assim, nem existir existia Diadorim. Graças a disfarces, o personagem de Guimarães Rosa e outras figuras históricas conseguiram penetrar recintos fechados do universo masculino. Foi assim com Joana D`Arc e com Santa Catarina que teria se fingido de homem para integrar-se à ordem dominicana. Seu gênero só teria sido descoberto depois de morta, sob a larga batina. Não teve a mesma sorte Juliana, nem tão nobres propósitos de guerreira e santa. Mas também não chegou a travestir-se. Apenas usava engrenagem poderosa comprimindo a exuberância dos peitos de melancia. A puberdade ocorreu nos anos oitenta, quando os padrões de beleza ainda mandavam ter, em vez de melões, limõezinhos. Só constrangimentos houvera na sua vida de moça peituda. Mamilos em posição de sentido a qualquer ventinho ou arrepio. Impossível praticar esportes, usar decotes; tomara-que-caia, nem que a vaca tussa. E a vaca de divinas tetas nem tossir tossia. Só de espirrar, as bolas saltavam e doíam. Os colegas de escola arremessavam contra as costas a larga alça do sutiã. Meia taça, nunca na vida. Não havia bojo que a coubesse. Só mesmo os gigantescos de Cicciolina. E Mimosa era seu apelido mais gracioso. Nem se pode mencionar os outros. Por ironia, era inteligência para matemáticas e geometrias, embora mulheres tetudas sejam vistas como burras, dizem recentes pesquisas. A despeito da incredulidade maliciosa dos professores, cursou engenharia. E foi ainda na faculdade que decidiu arrancar metade deles. Estava em uma festa quando dois rapazes passaram por ela e perguntaram quanto custava o litro de leite. Foi a derradeira gota para o transbordar do balde. Procurou um especialista, mas ele, um cirurgião plástico, visionário e escrupuloso, a dissuadiu. Além da alergia aos produtos para anestesia, a propensão para quelóides, ela deveria pensar no porvir. E por vir estava um mundo de peitos vastos, de volumosas próteses de silicone. “Vamos assistir a uma revolução nos padrões de beleza”, leu em uma revista internacional de medicina. Mas indicou onde comprar um tipo raro de sutiã, muito parecido com os espartilhos de antigamente, dotado de barbatanas de arame, capazes de achatar qualquer silhueta e torná-la, bem coberta, a mulher perfeita. Eis que assim paramentada, Juliana se torna uma mulher de peito, destemida, capaz de transitar com autoridade e desenvoltura pelos guetos mais masculinos e machistas: nas oficinas mecânicas e borracharias, nos canteiros de obras dos edifícios, entre pedreiros que assoviam para qualquer coisa que use saia e se excitam até com perna de mesa. Rapidamente, abriu sua própria empresa de engenharia e até começou a namorar um rapaz, coisa que até então não fazia. Sorte não tem, todavia. Guardou-se, até os 36 anos, secretamente virgem. Até cerca de dois meses, quando se despiu diante dele. Mas o susto do rapaz foi tão forte, ele ficou de tal modo perplexo, com aqueles dois vulcões libertos, que não se operou sexo. Ela foi embora do motel em desespero. Nem se vestiu direito. E carregando suas roupas amassadas, em algum ponto o sutiã perdeu da estrada. E junto perdeu toda a coragem. É hoje uma mulher despeitada. E coitada, nem na seção Achados e Perdidos dos correios, Juliana conseguiu achar seu porta-seios. Crônica publicada dia 6 de junho em O Popular.

The comments are closed.