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28-03-2007

Toda brasileira é teta

Não, "nem toda brasileira é bunda". Agora, toda brasileira é teta. Ao ler a matéria sobre a brasileira que aparece em uma foto no tablóide inglês The Sun, com o mamão muito bem acomodado na mão do príncipe William, senti mais uma vez tristeza. Tristeza por nós, brasileiras, ainda produto exportação para os europeus e americanos mal resolvidos. Tristeza pelo Brasil do turismo e da exploração sexual. Tristeza por um Brasil em que todo mundo ainda pode chegar e passar a mão. Sim, ainda estamos com "a bunda exposta na janela pra passar a mão nela". E a garota, estudante de Relações Internacionais, ainda vendeu a foto para o tablóide. Vendeu!!! E a mãe da moça, em uma estrevista para a Globo, disse que deve ter sido um pequeno acidente. A mão do príncipe escorregou. Sim, escorregou, afinal ele é um príncipe. É. O Brasil ainda continua acreditando em príncipes e o que é pior, em príncipes que nem são seus. E o que falta agora? Que a garota seja convidada para posar para a Playboy, como a fogueteira do Maracanã, como as ex-aeromoças da Varig, como todas as mulheres que alcançam alguma projeção nesse país, que seja por meio de um escândalo, de mais uma vergonha...

15-03-2007

Em terra de cega, quem tem um olho nega

Será apenas uma impressão imprecisa de míope ou as pessoas parecem poderosíssimas, perigosamente poderosas, com seus óculos escuros? Sobretudo agora que a moda dita ser de bom gosto os óculos enormes que cobrem pelo menos um terço do rosto. As armações e lentes gigantescas tornaram-se – dizem os estilistas e doutores em moda – um acessório de charme e beleza, não servem apenas para proteger e confortar. Tanto é que há os exclusivos para se usar à noite, para a balada.
Mesmo em situações em que não se sofre o império do sol, em ambientes em que não são exatamente imprescindíveis, não em praias ou clubes, mas em bares e festas, durante um fim de tarde, por exemplo, lá estão eles, assustadores, enigmáticos. Ao vê-los, as pessoas familiares se me afiguram estranhas. As estranhas, então, estas me espantam, me intimidam.
Também costumo empregá-los, com alguma inquietação, pois sinto que nos desfiguram, nos transformam em outros, em misteriosos zangões, em abelhas sensuais. Fico pensando o que há por trás deles, não só nos crânios que os carregam, se olhos miúdos e úmidos, se fogosos e ostensivos, mas por trás dessa prática e hábito de esconder-se e mascarar-se. Diz um dos muitos ditados sobre olhos que são eles o espelho da alma. Será que não desejamos que nossas almas sejam vistas e espelhadas? O tal pudor que agora se transferiu do corpo para o espírito? Podemos exibir os mamilos, mas não as pupilas, que guardamos com recato? Ou será que ocultamos apenas o vazio de nossas órbitas?
E o que dizer dos óculos espelhados que já estiveram na moda? O que pretendíamos com eles? Que nossos observadores, ao nos contemplar, não vissem senão a si mesmos? Penso na intimidade insólita de um casal de namorados, frente a frente, ambos com óculos espelhados. Que cômica solidão e que tedioso narcisismo!
Em um diálogo entre eles, poderia se aplicar perfeitamente a expressão: “Linda, eu só tenho olhos pra você”. De fato. Quando Linda tentasse olhar nos olhos de Lindo, só veria a si mesma. Ainda que a gente bem saiba que com as lentes certas se pode olhar para todos os lados, sem nunca ser flagrado. Mas acompanhar o olhar de alguém e olhar nos olhos de outrem pode ser de fato uma invasão ou a revelação de algo que não se desejava perceber. Que o diga bem Chico Buarque em sua canção: “Olhos nos olhos/ Quero ver o que você faz/ Ao sentir que sem você eu passo bem demais”.
O uso de óculos escuros parece merecer mesmo um atento estudo sociológico e psicanalítico. Na falta dele, para nosso entendimento e orientação, vamos nos disfarçando – afinal, como já dizia a vovó de Raul Seixas, “quem não tem colírio, usa óculos escuros” e com a ditadura da moda, em terra de cega, quem tem um olho nega.
Não nos esqueçamos, no entanto, do que perdemos e sonegamos com nosso disfarce: informações valiosas que só outros olhos podem dar. Revelações sobre a gula de quem tem o olho maior que a barriga. Sobre o sadismo de quem acha que pimenta nos olhos dos outros é refresco. Sobre a inveja do olhar de seca pimenteira e a concupiscência do olho grande ou do que come o almoço de olho na janta. Sobre a perspicácia do que fica com um olho no padre e outro na missa. Sobre as secretas intenções daqueles que estão botando areia nos olhos da gente, acreditando que o que os olhos não vêem, o coração não sente.

Crônica publicada dia 15 de março em O Popular.

01-03-2007

Exorcismo

Quando eu era menina-lamparina- lá-em-Pontalina e meu pai mandava um velhinho me benzer contra minhas rabugices de criança envelhecida antes da vida, eu me escondia atrás da casa, de telha que bem não bate, debaixo do sofá de napa e na capa de batman do pé de abacate. E quanto mais o velhinho passava o raminho de arruda na minha cara, mais birrenta eu me tornava e com mais raiva e mais a velhice se cravava lá no fundo da criança que eu ainda aparentava. E como eu blasfemei. E como meus demônios se esgoelavam. E quanto me custou exorcizar mais tarde a infância que perdi na primeira idade. Eu recortava tudo. Eu maltratava tudo Eu destruí todos os livros e álbuns de retrato. Quantas terapias e fluoxetinas e outras heroínas-mulheres-maravilhas da moderna medicina foram necessárias pra sepultar a criança endiabrada. E tudo tão mais simples seria se meu pai, em vez de reza, me dado tivesse um lápis. Nem carecia de caderno, que sobre os muros caroquentos dos lares ou cemitérios eu riscaria minha baba verde e infernos eternos.