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04-06-2006

De amores e outros abismos

O amor é bom assim:
uma frase que nos pega desprevenidos,
um resmungo que a gente não tinha ouvido,
um pigarro, um tossido.
- O que foi que disse?
- Não pise no meu pé que já sou triste.

Como quando por acidente,
Luis encostou no joelho de Iracema
E ela lhe sorriu por educação e pena.
Ao lado dela estavam os únicos homens da festa e da casa,
ou mais ou menos,
os que a cortejavam,
os poucos em que ainda restava um sopro
do masculino
E um gato macho,
chamado Felipe.

E o amor foi como um soco no estômago,
um soluço
que não foi curado com susto,
mas com uma colher de açúcar
daquele afeto repentino.
Assim mesmo amor amargo,
que nem adoça nem se consuma.

Luis lhe perguntou se podia ficar ali ao lado,
com uma estátua paralela,
à espera da pátina do tempo
ou de um sentido.
E Iracema soube,
como que por encantamento,
que esperaria por ele nos milênios seguintes.
O amor como um convite ao desespero,
o amor abismo.
O amor micose
que a gente pega
quando fica de bobeira
na beira da piscina.

Pobre Iracema!
Ela que saía tanto para pegar o amor nas ruas.
Mas amor assim não tem graça,
esses de que a gente anda atrás nos bares,
que a gente troca nome e telefone,
que a gente marca encontro
e beija nas boates.

Esse é o flerte programado,
o carinho-contrato.
Mas para Iracema estava reservado
o absurdo de um amor flexionado
pelo sujeito errado.

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