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22-07-2009

Agora, depois, além

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Se para além dos lençóis que se revolvem, de amor, insônia, cólera, pudéssemos prever como as coisas no futuro se resolvem, quantas lágrimas pouparíamos. Quanto menos desperdício de dentes rangentes, intrigas e gemidos. Como costumam dizer os espíritas, se pudéssemos perceber como é pequena uma existência humana em face da eternidade que nos fita, ou mesmo como passam rapidamente sofrimentos, meses, anos, diante da enormidade de uma vida.

Leonel amou Lígia no clímax adolescência, secreções e intumescências. Prometeram-se futuro dourado, sem saber que o futuro é só um horizonte escuro, iluminado lá no fundo, comumente, por uma luz surpreendente, com um desenho inesperado. Batizaram os filhos que sequer tinham nascido. O primogênito teria o nome de Ênio. Mas Lígia foi estudar em outra cidade, depois em outro continente e assim se perderam, em espaço, desejo e tempo.

Como cantava Drummond em sua Quadrilha: “João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/que não amava ninguém. /João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, / Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes/ que não tinha entrado na história.”

Leonel se casou com Márcia, que caiu na história de paraquedas pouco mais tarde. Batizaram de Ênio seu primeiro filho. Lígia não se fez de rogada, também deu esse nome ao seu segundo rebento, fruto do casamento com um holandês com que vive na Dinamarca.

Só o tempo nos dá essa lucidez ou sabedoria, ou senso triste de realidade. Quando muito jovens, somos por demais líricos ou dramáticos. A experiência vai nos amaciando em épicos. Achamos que o primeiro amor é o maior, o único, e o último e definitivo. Mas conforme a fila vai andando – e ela anda inexoravelmente –, as folhas das árvores a cair e se repor em sucessivos, mas não permanentes outonos, notamos que o maior amor é o último mesmo, que enquanto estejamos vivos, podemos ser surpreendidos pelo inopinado.

Madalena foi a primeira namoradinha do pai de Ricardo. O namorico não deu em nada. Depois amou o filho de modo desregrado. A família se opôs ao romance, escandalizada, como se visse ali algo de incestuoso, para além da diferença de idade. Ricardo se casou com uma moça precocemente grávida. Teve um menino: Rodrigo. E Madalena, conservando todo o frescor e graça , como se só de amor e formol se alimentasse, foi também o alvo do grande amor de Rodrigo.

Novo escândalo na família. Lá vinha aquela devoradora antiga. Gerações por sua cama passariam? Mas o inesperado os esperava na esquina: Madalena e Rodrigo geraram um filho. Anos passados, Robertinho é a maior alegria do avô e do bisavô, antigos e esquecidos namorados. Quem se lembra mais daquilo? As paixões se apaziguaram nas dobras rugosas da carne. Todas as desavenças vividas parecem hoje tão sem sentido. Mas se naquela época alguém vindo do futuro lhes narrasse a cena de todos sentados, pacíficos, à mesa para o almoço de domingo, chamar-lhe-iam alienado.

Pode ocorrer que um dia, os dois Ênios, filhos de amores desencontrados, venham defrontar-se disputando a mesma mulher, ou se tornem cunhados, ou companheiros apaixonados. Pode ser que essa história não tenha assim um desfecho novelesco, que não se esbarrem jamais nesse mundo imenso ou tão estreito quanto um beco. Tudo pode ser. Basta ver o tempo passar para crer.

Comentários

Sempre gostei desses: "e se..."

Escrito por: pgalvez | 24-07-2009

"intumescências" recém adicionado ao meu vocábulo pessoal. E nessa vida de pegar um pouco de cada pessoa, ficou de ti a coragem para me arriscar no ajuntamento de palavras. Engatinho ainda, mas faz parte do processo, tão importante ou mais do que o resultado em si. A vontade de ler seu romance ainda permanece, será possível? Ou quem sabe o lançamento do (ainda embrionário?) segundo livro.
saudações sempre!

Escrito por: Renato | 26-07-2009

Como sempre sua escrita alivia a alma trazendo um ar de sabedoria de interiorano mancha o papel com sentimentos e reflexões do ser que envolve a nossa mísera existência... adorei minha ilustríssima conterrânea.

Escrito por: antonio henrique | 27-07-2009

Por um acaso encontrei este blog.. Prenderam-me suas reflexões.
Gosto de reflexões ainda mais se forem ternas!
O amor, se amor, talvez se traduza em tempo.
Saudações!

Escrito por: Maria Eugênia | 01-10-2009

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