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09-07-2007

Lições de partir

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Nos tempos já velhos, no dicionário de expressões ainda não tão doídas, partida era apenas um jogo de futebol. E eu não tinha assistido nenhuma ao vivo. Mas os outonos foram se acumulando uns sobre outros, como folhas secas, e vi pessoas queridas partirem, umas para melhor – é o que precisamos pensar – para aqueles lugares dos quais não se volta para contar notícia, outras, para aqui ou para ali, de algum modo ao alcance dos ouvidos e dos pés.
Assim, o verbete ganhou seu segundo sentido e o mais triste. Felizmente, nos últimos anos, venho assistindo às boas partidas, boas ao menos para quem parte, porque as despedidas não são muito agradáveis para quem fica. Outro dia, me despedi de mais uma amiga. Levei-a à rodoviária, porque, afinal, com os amigos somos menos egoístas do que com os amores. Fazemos coisas mesmo que seja a contragosto ou com algum desgosto.
Dei nela um abraço, exibindo uma boa cara de tacho. Não sou hábil em despedidas, em balouçar lenços de adeus, em chorar lágrimas de antecipada saudade, o que pode sugerir frieza ou indiferença. Mas não se trata disso. É que embora a gente saiba que os amigos fazem mudanças boas para eles, em busca de outros ares, novas oportunidades, salivamos certo travo de egoísmo e ressentimento, pois não vamos mais desfrutar de sua presença constante. Ademais, são eles que partem, não nós. Eles é que tiveram o gesto de coragem, de desprendimento, não os que ficam plantados, “pregados na pedra do porto” – tomando emprestado um Chico Buarque.
Também, há algum tempo, já ensaiei as minhas partidas, mas aí, fui ficando, fui ficando... E fiquei de vez ou até quando? Um dos primeiros livros que tentei escrever, lá pelos dezessete anos, chamava-se Lições de Partir, título tomado de um fragmento de Manoel Bandeira. “Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir”. Era a história de uma moça que desejava tão sofregamente fugir, que ia diariamente à rodoviária ou aeroporto assistir às partidas de ônibus e aviões. Quando se decidiu a ir, embaraçou-se de tal forma nos cabelos das próprias pernas que por fim também não foi. Quando adolescente, eu era mesmo uma pessimista impotente. Por sorte, vim rejuvenescendo.
Hoje sei melhor que partir ou ficar, tudo realmente é uma questão de escolha e não apenas de folha. Digo folha, porque não poucas vezes cheguei a me sentir ou cogitar que eu fosse uma árvore de beira de estrada, as folhas sempre empoeiradas, a assistir à procissão de carros e tchaus. Certo dia também parti por um período breve e célere retornei. É que não adianta, a gente se leva mesmo na mala sem alça, e antes de partir para qualquer parte, é preciso esvaziar os bolsos, se virar do avesso, escarafunchar a terra onde estão as nossas mais profundas raízes, tristezas e sementes podres, podar os ramos velhos, dar espaço aos brotos para que cresçam.

Comentários

Olá, menina
Eu estou sempre pusando aqui.
Repito é um prazer. Fui ver as fotos: lindas, sensíveis, mas nada que mereça o oscar. Prefiro essa caneta ou, modernamente, esses dedos finos sobre as teclas brancas.
Lembre-se: Afinidades Eletivas é o livro de Goethe. Eu inventei AfinidadeSeletivas, aumentando o S para mudar o texto, como forma de brincar com a sisudez do grande mestre. Eu estou lendo o Afinidades do alemão: sim, só agora. Quando "novo", lia Höelderlin (!) e outros nas traduções dos Campos. Agora, "velho", tenho pouco dinheiro para livros. Os filhos gastam tudo.
Tua crônica é facil de ler. Isso é bom.
Porém, "aqueles lugares dos quais não se volta para contar notícia", eu duvido: tenho alguns diálogos com mortos que depois mando para provar o contrário.
Um abraço, Jorge

Escrito por: Jorge Fernandes | 10-07-2007

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