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26-07-2006

O ponto G ou Os lugares imprevistos do amor III

Geni nunca foi muito contente com seu nome e não apenas porque cantavam há muito tempo “joga pedra na Geni, ela é boa de apanhar, ela é boa de cuspir”. É que Geni não era apenas bode de expiar o descontentamento alheio, a insatisfação com a própria vida que faz perseguir os pequenos detalhes e defeitos desconfortáveis dos outros e explorá-los e espicaçá-los até o constrangimento e a dor. Geni Alves era um homem. O nome de um homem perfeitamente comum que sentia ter uma vida desagradavelmente banal.
Viajava muito, de A a Z do país.

Freqüentemente de Guarulhos a Goiânia. Era representante comercial de uma empresa de produtos farmacêuticos com sede em Anápolis. Detestava aeroportos. Achava triste o espetáculo de chegadas e partidas, os rituais de viagem e passagem. Não havia para ele nenhuma imagem tão desoladora quanto a de pessoas arrastando ou sendo arrastadas por suas malas. Talvez porque tivesse sido, desde bebê, transportado de um lugar a outro como uma mala sem alça.

Filho de pai desconhecido, ignorado ou nunca sabido, perdeu a mãe aos três meses, num mês de agosto. Foi passando de uma casa a outra, como um fardo, de uma tia a outra, feito um saco de linhagem, de uma cidade a outra, para os braços de parentes progressivamente distantes, para lugares cada vez mais afastados. E aterrissou em Goiânia, o oco ou grito preso na garganta do mundo.

E depois dos vinte anos, quando passou a trabalhar como representante, o Aeroporto Santa Genoveva era para a ele o lugar que mais se parecia com os lares que não conhecera. Com sua vida de hóspede e de caixeiro viajante, não arranjara nenhuma mulher que o esperasse retornar, sem abrigar o encanador ou o eletricista dentro do armário. Era assim que estava solteiro aos quarenta anos.

Não bastasse o horror a essa vida que o escolhera a ele, Geni tinha enorme azar em suas viagens. Sua bagagem sempre extraviava. O detector de metais se sentia atraído por sua maleta de mostruários e ele era obrigado a constantes revistas na mala de cuecas sujas. Era vítima de overbooking regulares. Seu assento era comumente ocupado por alguém que se enganava sobre o número, mas que teimava em não admitir o erro. Quando não era perseguido por nenhum desses azares, ou o seu companheiro de viagem era espaçoso em demasia, ou um tipo exótico de papagaio, ou nunca havia ouvido falar em uma invenção chamada desodorante.

Esperou, pois, o pior quando anunciaram seu nome no aeroporto de Guarulhos. Senhora Geni Alves, favor comparecer ao balcão da companhia G. O colega de trabalho que viajava com ele olhou-a com deboche. Como já estava acostumado a ser confundido com uma mulher, foi até o balcão para pagar antecipadamente mais um dos seus possíveis muitos pecados. Eis, porém, que daquela vez não haviam errado. Ali estava uma mulher também de seus quarenta anos, cabelos levemente alourados e um sorriso, meu deus, um sorriso que parecia ser pra ele. Era a sorte que até então nunca havia lhe sorrido.

Ela também se chamava Geni Alves, filha de pai desconhecido, ignorado ou nunca sabido. Embarcariam para o mesmo lugar, Goiânia, e graças aos nomes idênticos, tinham dado a ela sua mesma poltrona: 8G. O sistema não estava preparado para lidar com homonímias. Para a companhia G, eram a mesma pessoa. E em breve quase se tornariam. Mas que não se preocupassem. Esperassem um pouco, que seriam acomodados lado a lado no próximo vôo – embarque que trataram de perder, entretidos num café de coincidências e confidências. Ah, os lugares imprevistos do amor! E os filhos dos amores improváveis, mas nunca impossíveis: Genivaldo e Efigênia!

Comentários

Cássia,
Uma crônica/conto envolvente na narrativa e com o desfecho de um cotidiano "destino". Adorei, assim como o poema do sapo...
Adicionei, no meu blog, um link para o seu.
Visitei seu outro, de fotos e gostei muito também. Na verdade sou suspeito, pois minha segunda ocupação e minha "tara" é a fotografia.
Beijos

Escrito por: Osair Manassan | 27-07-2006

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