16-02-2012
Antologia de textos, músicas e pessoas
Não deixe ele entrar
Quando fui tornar a beijá-lo,
vi que havia sangue meu
em seus lábios.
Aliás, havia sangue meu por todo lado,
nas taças,
no teto,
nos lençóis,
nos viróis revirados,
nas maçanetas das portas,
até nas pobres penas dos travesseiros.
Havia sangue em meus poemas,
em meus joelhos.
Havia sangue respingado e escrito
como batom no espelho,
tentativas vãs e desesperadas
de despedida.
Quando vi,
vi com que espécie de amor eu me cortara,
vampiresco.
E eu te dava
o melhor do meu sangue.
E você não me dava nada.
Me deixava gélida, exaurida e pálida.
Nem flores,
nem fitas,
nem laços,
nem licores,
nem três tristes dinheiros,
nem a suave complacência com que você tratava
o mundo inteiro.
Comigo era no corte e no chicote,
na mandíbula e nas seringas,
na caverna e nos cabelos.
Vi como eu tinha emagrecido a olhos vistos,
mas que, para minha surpresa,
não, eu não murchara.
Antes, eu havia florescido em cálcio,
porque o melhor que eu te dera
e que você me sugara,
apenas sangue,
o meu melhor não era.
O meu melhor são meus ossos,
largos, fortes, inquebrantáveis,
que belamente despontaram,
nos ombros,
nas rótulas dos joelhos,
no crânio, sob os restos de cabelo.
A minha essência.
O melhor de mim,
a capacidade intensa
de amar e ser amada,
de abrir-me,
de dar-me mesmo insensata à violência,
de me consentir refém e vítima.
Mas isso foi ontem,
porque hoje sei que os vampiros
só entram quando a gente os convida
e chama e deixa.
Quando já está sangrando.
E eles sentem longe o cheiro...
Mas que aroma terei agora?
Um corpo que sabe a cova?
Não sou mais atraente
para seus caninos.
E se por acaso,
num velho hábito de gula calculada,
você tentar me beijar ou morder novamente,
será desfeito em cacos
entre os meus dentes
que sabem a vida.
Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=Q5qUv2OREFs&feature=re...
08:32 | Permalink | Comentários (1) | Tags: "antologia de textos, músicas e pessoas", vampiros