Ok

By continuing your visit to this site, you accept the use of cookies. These ensure the smooth running of our services. Learn more.

21-01-2012

Paris é linda quando chove, o Rio é lindo quando chove, Goiânia é linda quando chove

 

 

meia-noite-em-paris-32.jpg

Sobre todos os lugares que se tornam lindos quando neles se encontram finalmente nossas almas solitárias e errantes

 Ao sair do cinema depois de assistir ao filme Meia Noite em Paris de Woody Allen, pensei e comentei com quem nem estava por perto que, para mim, a grande mensagem desse filme é que não, nenhum tempo é melhor do que este; não, nenhuma época que não conhecemos e sobre a qual nutrimos aquela espantosa e dolorosa nostalgia do que não vivemos é melhor do que nossa época.  A grande revelação de toda aquela história foi que nossa sensação de exílio, de não pertencimento, provém do fato de estarmos, não exatamente no tempo ou nos lugares errados, mas de vivermos cercados das pessoas erradas.

Eis o que acaba nos mostrando o protagonista Gil, vivido pelo ator Owen Wilson. Ele, um escritor, está em Paris, acompanhado de sua noiva milionária e fútil, interessada apenas no turismo e no consumismo esnobes.

 Ele, por outro lado, sente falta e procura a Paris dos livros, a Paris de seus escritores e artistas. Ninguém de seu grupo, o sogro, a sogra, o amigo esnobe da noiva esnobe, parecem compartilhar seu gosto por uma cidade que fica ainda mais linda quando chove. Talvez porque eles estivessem de tal forma absortos em seu tempo ensolarado – e aí me refiro ao tempo não tanto no sentido meteorológico, mas metafórico –, tão entranhados em sua próprio entusiasmo automático e euforia imediatista, que não poderiam mesmo achar beleza numa cidade de umidade e nevoeiro: numa cidade que vive, e ao mesmo tempo reflete e recria a vida.

 E ele, ao contrário, é como que transportado por essa atmosfera que a chuva pode criar. Como canta Mário Quintana: “Sempre que chove/ Tudo faz tanto tempo.../E qualquer poema que acaso eu escreva/ Vem sempre datado de 1779!”. Atmosfera criada pela chuva e magia que só aparece ao badalar da meia noite.

 E exatamente à meia noite, ele é transportado para os loucos anos 20 onde tem a surpresa de encontrar os grandes artistas daquele tempo:  T.S. Eliot, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua mulher Zelda, além de Picasso e sua bela amante. Essa bela moça, aliás, padece da mesma nostalgia. Acredita que o tempo anterior é sempre melhor do que o seu. E lá se vão eles juntos viajar para a belle époque, encontrar Edgar Degas, Paul Gauguin e Toulouse-Lautrec.

 Porém, quando finalmente ele retorna de sua viagem, constata que além de todas aquelas pessoas com as quais não têm nenhuma verdadeira afinidade de espírito, existe, em Paris e no mundo vasto, uma francesa, vendedora de antiguidades que também aprecia a cidade quando chove. O filme acaba por aí, mas prenuncia ou apenas sugere que ali se deu um verdadeiro encontro de almas, de afinidades e interesses comuns.

 Mas o que afinal tem a ver o corpo desse texto com seu título? Por que afinal falar tardiamente de um filme que já não está em cartaz nos cinemas, que já saiu da moda? É que o Rio, que visitei pela primeira vez há poucos dias, também é lindo quando chove. E quando lá estive e choveu, achei-o lindo não por causa de suas paisagens, prédios, mas por causa das pessoas que encontrei e num breve contato prenunciaram o tal e tão difícil encontro.

 Sim, encontro árduo e ardiloso. Sei que Goânia também é linda quando chove. Sei que qualquer lugar é lindo quando chove, basta aceitar conviver com esse tempo que nos empurra pra dentro, de nossas casas e de nós mesmos. Mas por que também afinal temos tanta dificuldade em nos sentir em casa no lugar onde vivemos? Por que muitas vezes essa nostalgia de outros tempos nos acomete tão violentamente, atormenta e tortura? Sim, sabemos que há outros como nós por ali e por aqui, outros que compartilham os nossos mesmos valores e gostos, talvez bem perto, talvez sob nossos narizes. Por que diabos, então, somos incapazes de um gesto de aproximação? Esbarramos com eles pelas esquinas, trocamos mensagens simpáticas e até regulares nas redes sociais, com alguns nutrimos até verdadeiras, profundas e relativamente regulares amizades, mas por que afinal mantemos um tal isolamento? Onde nossos lugares, nossos bares e casas de encontro? Onde nossa cidade luz que é uma festa?

 Talvez eu esteja falando não dos outros, talvez esteja falando apenas de mim e este texto, é fato que ele me dói. O que me consola é estar a ler, por exemplo, o livro O Rio é tão longe, as cartas que Otto Lara Resende escreveu a Fernando Sabino no período em que trabalhou no serviço diplomático em Bruxelas.  Cartas de um certo tipo de exílio voluntário, mas um exílio tão mais rico do que este exílio involuntário e pobre em que me encontro.  Cartas para provar uma comunicação profunda, cartas de uma permuta genuína de almas e suas angústias. Existe ou existiu isso em algum lugar do passado ou do mundo.

E eis o que digo hoje, com uma consciência cruel e crítica sobre mim: eu nunca saí do exílio e tampouco me correspondi com os que talvez pudessem ser meus iguais. Apenas espio enquanto expio. E quando posso, pio. Porém, como é bom ouvir outros que mesmo ao longe piam junto comigo. Quem sabe alguma hora estejamos mais perto. Será mais uma vez necessário viajar no espaço e até no tempo para isso? Enquanto aguardo, cá vivo eu, a ser e a viajar, se não como uma melindrosa meia noite em Paris, como uma mulher melosa e medrosa meio dia em Goiânia.

 

o rio é tão longe.jpg