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30-12-2010

Velhas histórias de ano novo

 

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Algum dia, já um tanto afastado, já me importei com essas datas festivas:  natal, réveillon, carnaval, já padeci de entusiasmo, expectativa e decepção com as comemorações tão superestimadas. Já cheguei a ser dominada por essa insensata euforia, que faz as pessoas saírem como formigas às compras e às festas, ansiosas, apressadas, famintas de ruidosas alegrias. Já experimentei também o outro lado: a sensação de estar à margem, deprimida, sozinha, com a impressão de que todos participavam de uma ventura para a qual eu não tinha sido convidada.

Hoje essas datas me são absolutamente indiferentes. Talvez isso se deva ao fato de que vivi mesmo muitas decepções e situações tragicômicas nesses dias, como quando meu pai caiu do cavalo, literalmente, quebrou a perna e tive que passar ao lado dele o réveillon. Lembro-me de como sofri de contrariedade, porque não estava junto do namorado. Incompreensiva, filha desnaturada sim.  Com o pai machucado e chorando de raiva! Mas vá pedir compreensão e piedade a uma menina apaixonada de 18 anos!

                Recordo também quando certa pessoa próxima se internou nessa data, num ataque súbito de melodrama, pânico, auto-piedade ou hipocondria. Por esse motivo também não pude celebrar.  E ainda me volta à memória uma outra vez que fui muito empolgada a uma grande festa de réveillon e tive ali minha euforia sufocada  pelo sofrimento e desespero de um  ex-amor magoado.

                Talvez simplesmente, já tenham ido se embora a adolescência, a imaturidade ou simplesmente a ilusão. Com o tempo, com decepções e frustrações que se seguiram e sobrepuseram a festejos e celebrações, fui percebendo o que há de exagerado nessas expectativas, afinal, trata-se apenas de uma passagem temporal marcada no calendário. No dia seguinte, tendo você se vestido elegantemente ou não, brindado ou não, engolido ou não sementes de romã, a vida seguirá seu curso, sem grandes rupturas, a não ser que você as tenha provocado.

Você pode até acreditar que a calcinha vermelha irá trair uma grande paixão, mas  é possível que ela surja ou não.  Já usei dessas artimanhas e acreditei em simpatias, me vesti e me despi de tantas cores, e passei de um ano a outro, sem paz, amor ou dinheiro. Aliás, de carta feita, desejando saber qual a cor deveria usar para atrair sabedoria, usei uma calcinha azul, me entupi de calmante, hoje eufemisticamente chamado de ansiolítico.  E bem sei eu que esse foi um dos anos mais insensatos que tive, virada do avesso por um dos mais marcantes reveses de minha vida. Mas talvez...,sim,  vou dar meu ceticismo a torcer, eu tenha ficado mais sábia ou menos tola ao menos.

Hoje, se vou a uma festa familiar ou de amigos, ótimo. Se não, permaneço em casa, silenciosa e tranquila, indiferente ao tilintar de taças ou estouro de fogos, que aliás, desprezo: seu brilho falso não me fascina, e o estrondo só assusta crianças e passarinhos. Se saúdo alguns amigos, se lhe lhes faço votos de felicidades, é porque não pretendo renunciar à cortesia, afinal posso ser do contra, nadar e narrar contra a correnteza,  mas sei que nem todos pensam assim, que para alguns essas datas e celebrações são simbólicas e importantes.

A onda humana  - Aliás, a propósito de correntezas, de ser carregada por ela, recordo-me de outro episódio. Há cerca de seis anos, viajei com amigas para o litoral baiano e cheguei a Arraial D`Ajuda justamente na noite de réveillon. Mal colocamos nossas malas na pousada, sem termos nos programado, fomos caminhando até a praia para a contagem regressiva. Fomos caminhando não. Fomos carregadas por uma horrorosa onda humana. Gente ruidosa, um verdadeiro rebanho em transe, arrastando chinelos e garrafas, que minutos depois foram abandonados pela areia e arrastados pela água.

Eis o retrato que tenho desses festejos em lugares repletos de gente eufórica: os despojos de suas ilusões em naufrágio: chinelos sem par, cacos de cristais falsos em que se cortar e se magoar, flores e perfumes para uma desconhecida Iemanjá, pérolas, ilusões e lixo ao mar.

Assim, neste réveillon,

se há algo a simbolizar

para me conduzir

e não me deixar arrastar,

quero acender uma vela,

e estar a sós, apenas eu,

Eles e ela.