12-10-2011
Pacote completo
Ao ler hoje este texto de Chico Xá, sobre mulheres que já vêm com filhos, http://xicosa.folha.blog.uol.com.br/, lembrei de minhas amigas "canguruzinhas marlindas", como ele mesmo diz. Resolvi resgatar este meu poema de 2005. A elas, pois:
Quando a gente ama,
compra o pacote completo:
o bilhete de ida e sem volta,
a ex-sogra,
o mau hálito quando acorda,
o mau humor
o mau amor.
A gente ama,
a gente compra
o pacote com tudo o que vem dentro:
um trem, uma família, um cachorro,
um papagaio, um sofrimento.
O feijão com caruncho,
a pedra...
A gente quase quebra um dente
quando morde.
A gente não pode
comprar uma meia meia,
uma meia sola,
só o seio esquerdo
e deixar na loja
uma só alça
do sutiã meia taça.
Comer só o miolo do pão
e do sonho de valsa;
a laranja e a couve;
e fingir que não houve
nem escravidão, nem fome, nem chicotada,
nem o pé de porco
na feijoada.
O amor não se vende avulso
nem picado,
para um pé atrás,
de um só lado.
Se bem que é bem preciso
começar com o pé direito,
dar ao menos um braço a torcer
e de vez em quando estender
a roupa no arame
e a outra face.
Porque a qualidade e o defeito
são irmãos siameses.
E o cachorro se senta
sobre o próprio rabo.
Bicho de goiaba é goiaba,
exceto para quem está
de barriga lotada.
Quando a gente ama,
não pode escolher
se tem aleijão
ou se é perfeito.
Tem que aceitar a barriga, a remela,
o cabelo de nego,
o presente de grego,
a mão em que sobra ou falta
um dedo,
e que é a pimenta da vida
e que dá tempero à comida.
Não há amor que se vende a granel,
como fiado
só no armazém ao lado.
E se é verdade
que a galinha da vizinha
é sempre mais gostosa e mais gordinha,
é verdade também
que não se faz omelete sem quebrar uns ovos
chocos
e que todo ofício,
mesmo o de você me comer
e de eu comer você
tem seus ossos.
08:52 | Permalink | Comentários (0) | Tags: poemas, posia, "escritos para uso pessoal e domésitco"