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18-03-2012

O presente

CircoTrapezistasF__92697_zoom.jpg

 

Nós que procuramos confusão

com nossos próprios dedos no teclado,

eu, daqui.

você, daí,

cada um no seu retângulo

ou no seu quadrado,

não vamos fugir ou lamentar,

porque no frigir

dos dias,

o circo já foi armado.

E mesmo que pegue fogo

 - e o fogo está ateado -

 a vida é sempre um risco

 para o trapezista,

 o equilibrista,

 o atirador de facas,

 o tecladista,

 o domador de leões

 e até  para  a adestradora de palavras.

 Eu não renunciaria a isto,

 ainda que possamos, a qualquer tempo,

 chutar o pau da barraca

 ou fugir com a mulher do palhaço.

 A vida é sempre um salto

 no mistério e no desconhecido,

 com ou sem a certeza de aplausos

 ou de um próximo espetáculo.

 Vamos viver as delícias e vertigens do picadeiro.

 Vamos viver o presente,

 ainda que ele seja tão incerto

 e tão somente

 o verdadeiro

 presente.

 

Para ouvir: Let it be, Beatles

http://www.youtube.com/watch?v=ajCYQL8ouqw

ou

All you need is love, Beatles

http://www.youtube.com/watch?v=ZXL08IoNKiE

 

 

 

 

 

 

14-03-2012

O interlocutor imaginário

voz na mente.jpg

 

Todo mundo tem um interlocutor imaginário,

com que trava batalhas

 e longos banquetes de diálogos,

 dirigindo peripatético,

 nos dias úteis do calendário

 a caminho de casa ou do trabalho.

 Uma amiga,

 um amigo,

 um novo amor,

 um caso antigo,

 um ilustríssimo senhor desconhecido.

 Eu mantenho diálogos constantes contigo,

 de dentro da minha alegria, solidão ou agonia.

 Uma espécie assim de  bem nutrida

 e não tratada

 esquizofrenia.

 Nos sinais vermelhos, te narro as agruras do dia.

 Nos engarrafamentos,

 falo das minhas nervuras.

 Te mostro gravuras, sentimentos,

 fotografias que tiro

 com os flashs dos olhos e da mente.

 Todos temos nosso lado assim

 demente

 nosso leitor imaginário,

 a voz e o ouvido atento

 para o qual escrevemos,

 um conjunto de traços,

 mais ou menos idealizados.

 E nesses diálogos

 não há espaços

 para perguntas sem respostas

 ou silêncios

 ou mal entendidos.

 O problema é que continuamos a sós

 e recolhidos a nós,

 e  daqui a pouco,

 terão os dias perdido

 sua utilidade

 e será novamente domingo.


Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=EeNUsrw8qA8



 

11-03-2012

La non-lectrice

a_leitora.jpg

 Antes eu ouvia apenas

as vozes do aquém e do além.
Lia somente

as palavras impressas em tinta,
que me pareciam querer bem,
as que aceitavam ser espremidas
entre os limites

das margens e das linhas.
Hoje, ouço principalmente os silêncios,
que são por onde melhor se comunica.
Leio na branca página
o que se diz no invisível.
Se não está escrito,
não quer dizer que exista ou não exista
ou que queira ou não queira ser dito.

(Bem-me-quer, mal-me-quer, não-me-quer.

As pétalas e folhas ao vento

são apenas um desfolhado

coração de mulher.)

Mas o grande perigo ou engano

ou martírio

tanto das palavras

quanto dos silêncios e vazios

é que são todos e ambos

ambíguos e polissêmicos,

e sujeitos e objetos

de nossos excessos

de imaginação,

desvarios,

de nosso desvios

de carência ou interpretação.

Então,

às vezes desejo sofregamente

uma nova condição:

ser uma não-leitora,

e ouvir apenas ruídos

e ver apenas manchas,

não signos.

E seguir não lendo

e não sentindo.

 

 

 

 

21:03 | Permalink | Comentários (0) | Tags: poemas