25-10-2011
Goiânia, uma cidade carente de lembrar
Acordei com ressaca de brincar. Acordei com ressaca de tanto lembrar. Acordei sabendo que apesar das queixas, dos estranhamentos próprios de quem se debate no difícil convívio cotidiano, goianienses amam, amamos a cidade onde vivemos. Faltam-nos talvez a oportunidade, o pretexto, a primeira palavra para puxar o fio de um amor que sabemos guardado, enrolado no novelo anestesiante da rotina. E talvez um modo, para que depois de desenrolado, esse fio componha uma bonita trama e permaneça.
Ontem, 24 de outubro, quando se comemoravam os 78 anos de Goiânia, o poeta Marcos Caiado puxou esse fio. Começou uma brincadeira no twitter, uma espécie de enquete para que as pessoas assinalassem a alternativa que mais se associasse a Goiânia: ( )Mauricinho Hippie ( )Iris Rezende ( )Star's Chic ( ) Piquiras ( )Pit dog ( )Estádio Serra Dourada ( )Música sertaneja ( )Pecuária. Alternativas um pouco pejorativas talvez. Mas logo o tom mudou, pois seus seguidores e ele próprio começaram a escrever nomes de locais na cidade que marcaram sua infância, juventude, época de estudante; nomes de bares, escolas, sorveterias, lojas, muitos dos quais já não existem.
O que me encantou nessa brincadeira à qual logo aderi, contribuindo também com minhas reminiscências urbanas, foi a fuga ao clichê que caracteriza essas datas comemorativas, às saudações e elogios vazios. Assim, despretensiosa e naturalmente, um dia que passaria em branco ou no colorido insípido dos discursos oficiais, acabou se convertendo em um dia de lúdico encontro. Encontro de gerações, confrontação de memórias. A tag #Goiania Memories logo alcançou o primeiro lugar entre os tópicos mais comentados no Brasil.
E foi assim que pudemos rever a Goiânia que um dia conhecemos, a nossa cidade afetiva, a Goiânia que ficou lá pra trás na nossa infância, mais jovem, de 20, 30, até 40 anos atrás, talvez mais ingênua, mais terna, menos violenta e, claro, menor, menos populosa, que tinha estabelecimentos comerciais com nomes algo poéticos: uma sorveteria denominada Fonte do Paladar, um programa de TV com um apresentador chamado Coronel Hipopótamo, um bar Menestrel, um restaurante Dona Beija. Repentinamente, montamos um mosaico-maquete imaginário e nostálgico da cidade, como se construíssemos ou reconstruíssemos, se não nosso ideal, aquilo que nos foi mais caro, aquilo que permanece em nossa memória a despeito de todo o tempo e contratempos.
Algumas pessoas tentaram politizar ou destacar os aspectos negativos da cidade, os acontecimentos tristes que marcaram sua história, mas essas vozes não prevaleceram. Prevaleceu o aspecto lúdico, prevaleceram as risadas diante das lembranças de hábitos curiosos, inadequados ou esdrúxulos, como o tempo em que uns playboys davam cavalo-de-pau na Praça Tamandaré, enquanto outros mostravam a bunda pela janela do carro.
Surpreendeu-me o poder agregador desse movimento de puxar o fio da memória. Pessoas desconhecidas, ao reconhecerem que compartilhavam a mesma experiência, que frequentaram os mesmos locais, estudaram com os mesmos professores, deixavam transparecer uma sensação de identidade, de comunhão, de pertencimento. Notava-se o olhar meio perplexo dos bens mais jovens ou que vivem aqui há pouco tempo e não viram Goiânia crescer, se transformar, envelhecer. Ao falarmos de lugares, de hábitos que já não existem, falamos também de nós crianças, de nós adolescentes, de nós estudantes.
Esse movimento no twitter, como certamente outros movimentos igualmente instantâneos e fugazes, já foi e está sendo analisado por teóricos da comunicação, por professores universitários. Certamente vão tentar compreender o que leva as pessoas a elegerem momentaneamente um tema, vão especular sobre a possibilidade de que algo, uma reflexão, uma semente de mudança permaneça depois que passa a onda. Publicitários, políticos, marqueteiros estão de olho no potencial dessa rede social como ferramenta de persuasão e querem identificar justamente como mobilizar as pessoas para suas próprias causas.
Mas a conclusão que me atrevo a tirar é que as pessoas estão carentes de lembrar juntas, de um lugar (real ou virtual) onde possam se ver e expressar, onde possam perceber a cidade que integram e que são, já que uma cidade não é simplesmente a soma de lugares, de problemas, mas de gente e seus afetos, de gente e suas ideias.
Talvez a arte e só a arte possa ser esse tal lugar. Talvez só ela dê forma e permanência ao fio da memória e da identidade que nos escapa. Assim, para finalizar, retomo um dos primeiros tweets de Marcos Caiado, quando ele começou a brincadeira. Ele bem observou que Goiânia, em seus 78 anos, não tem sequer um acervo de arte pública. Enquanto isso – lembrou ele - vão-se financiando Leonardo e Cow Parade. Desse jeito, “nessa cultura de eventos, veremos só um museu de ventos”.
11:54 | Permalink | Comentários (3) | Tags: histórias agudas e crônicas, goiânia, goianiamemories, cidade
Comentários
Sou do Sul do Brasil e vivo com minha família, esposa e filha, também do Sul, em Goiânia desde abril deste ano (2011). Desde o começo sentimos muitas saudades das coisas de lá, mas aos pouquinhos estamos nos acostumando e aclimatando com as coisas daqui. É impossível comparar as coisas de lá com as daqui. São mundos diferentes, coisas de um país continental, mas o que nos marca muito aqui é que a cultura que ouvimos contada por antigos goianos não é exposta em museus, galerias e feiras culturais. Goiânia tem 78 anos de idade que é retratada, muito pouco, em fotos no Walmart, Palácio Pedro Ludovico e sei lá onde mais. Sou de Curitiba/PR e lembro que na escola aprendíamos tudo sobre a história do Paraná e de como Curitiba foi concebida. Quando me tornei adolescente mudei-me para Florianópolis e os manezinhos (nativos de Floripa, como minha esposa e filha) como são carinhosamente chamados, tem orgulho de expor, cantar e compor poemas e músicas sobre a bela história de lá. Tenho aprendido a amar Goiânia, por que quero construir minha vida aqui e quero que meus netos saibam como é a história do lugar onde eles nasceram.
Escrito por: Gleno Salcedo | 26-10-2011
o fruto pequi
faz muitos aqui
de longe chegam
e perto querem estar
pelo pequi
e o velho sempre sorri
e eu perdi
o aroma do pequi
e a velha sempre a sorrir
quanto a lata de pequi?
Escrito por: piqui rei | 06-12-2011
o fruto pequi
faz muitos aqui
de longe chegam
e perto querem estar
pelo pequi
e o velho sempre sorri
e eu perdi
o aroma do pequi
e a velha sempre a sorrir
quanto a lata de pequi?
Escrito por: piqui rei | 06-12-2011
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