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17-03-2009

O fino da fossa

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Há pouco tempo, ao chegar a uma festa familiar, assisti a um episódio bastante comum. A anfitriã, tentando preparar para os convidados um ambiente agradável, havia caprichado na iluminação. Tinha decorado a mesa, acendido velas e tocava um CD de Adriana Calcanhoto. Logo, um dos convidados reclamou da tristeza do ambiente, reivindicou uma música mais animada, axé ou música sertaneja, algo assim. Não demorou e o pedido foi atendido. O suposto clima festivo estava instalado.
Noto que muitas pessoas identificam a música popular brasileira ou simplesmente canções com um ritmo mais lento com depressão, tristeza. Parece que a alegria tem que ser gritada. O som nas festas deve ser ruidoso, em alto volume, de forma que as pessoas também tenham que gritar para se entender. Ou talvez para que não tenham que se entender, para que não necessitem sequer conversar.
Podem argumentar que digo isso porque estou envelhecendo, e o tempo vai tornando nossas orelhas maiores, nossos nervos mais sensíveis e suscetíveis a ruídos, mais intolerantes, enfim, vai nos transformando em uns chatos tediosos e entediados. Mas retruco que tanto na festa que mencionei quanto em outras ocasiões em que esse episódio se repetiu, as pessoas que reivindicaram músicas mais animadas já tinham ultrapassado os quarenta anos, não eram, portanto, jovenzinhos no auge da euforia.
A necessidade de escutar apenas músicas aceleradas, alegres talvez esteja, então, associada ao desejo de constantemente estar ou pelo menos aparentar alegria, o que vale para todas as idades. Justamente porque a alegria é supervalorizada. Quando se quer elogiar alguém, é comum dizer: ele vive de bem com a vida, está sempre de alto astral.
Esse tipo elogio me desperta uma estranha desconfiança. Suspeito de quem costuma fazê-lo e sobretudo de quem vive assim, em estado permanente de bom humor. A alegria constante, principalmente se fantasiada de euforia, o riso fácil e exagerado me parecem disfarces para algum incômodo ou conflito, que não ousa dizer seu nome.
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Não que eu seja uma defensora de gente azeda. Sei apreciar o valor de um bom sorriso e do bom humor diário, mas quem consegue se manter todo o tempo assim de “alto astral”, senão com uma boa dose de dissimulação? A dor, a tristeza, o mau humor também são inerentes à nossa humanidade e eu particularmente sempre apreciei aqueles que sabem cantá-las. Um de meus CDs prediletos durante bastante tempo foi nada mais nada menos do que “O fino da fossa,”, uma coletânea um tantinho brega, com canções como “A flor e o espinho”, de Nelson Cavaquinho e “Nervos de aço”, de Lupicínio Rodrigues.
Sempre, desde a adolescência, gostei de músicas que muitos consideram tristes e que não me conduzem necessariamente à tristeza, mas antes me propiciam uma espécie de catarse, um deliciar-me com a nostalgia do que não vivi. Devo confessar que por bastante tempo tive sim uma certa inclinação para a melancolia, que nunca me pareceu, porém, infelicidade. De qualquer modo, li ou ouvi em algum lugar de que já não recordo, que na tristeza estamos mais perto da felicidade do que na alegria, porque naquela a gente olha para dentro e nesta, não. Então, com licença: “tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”.

Comentários

Por que paramos de conversar? Sei lá! Provavelmente fui atropelado pela rotina. Talvez te escreva hoje.

Olha, acho que estou ainda adiante de ti. Eu não chego a ficar triste com música triste. E ouço cada coisa deprimente! Quando ouço a Chaconne ou o Erbarme Dich de Bach fico feliz pela realização, não fico afetado. Posso até ficar sério, claro, mas meu humor não se altera.

Agora, as festas que são para conversar merecem uma música menos barulhenta. Eu ainda sou daqueles que bota um jazz bebop e fim. A música não deve atrapalhar as pessoas, né?

Mas que Nervos de Aço é uma obra-prima, isso é.

Beijo.

Escrito por: Milton Ribeiro | 17-03-2009

Por que paramos de conversar? Sei lá! Provavelmente fui atropelado pela rotina. Talvez te escreva hoje.

Olha, acho que estou ainda adiante de ti. Eu não chego a ficar triste com música triste. E ouço cada coisa deprimente! Quando ouço a Chaconne ou o Erbarme Dich de Bach fico feliz pela realização, não fico afetado. Posso até ficar sério, claro, mas meu humor não se altera.

Agora, as festas que são para conversar merecem uma música menos barulhenta. Eu ainda sou daqueles que bota um jazz bebop e fim. A música não deve atrapalhar as pessoas, né?

Mas que Nervos de Aço é uma obra-prima, isso é.

Beijo.

Escrito por: Milton Ribeiro | 17-03-2009

A respeito da análise do "riso", em um dos famosos poemas de Vitor (Victor?) Hugo, ele diz assim: "o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano". Concordo com você, e aliás, não há nada mais irritante do que pessoas eufóricas, escutando sertanejo. Sorte sua de não morar mais aqui em Pontalina! :)

Escrito por: Diogo Matias | 20-03-2009

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