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01-08-2007

Quem vê pressa não vê perfeição

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Em algum tempo remoto do semáforo, provavelmente o vermelho, já fui um desses motoristas impacientes e impávidos, que cortam sempre, inclusive pela direita, estrepitoso, com a buzina de mugido ou trilha sonora de “O Poderoso Chefão” – uma mão nela, outra no guidão.
Possuía pressa. Estava permanentemente prestes a salvar o mundo, a resgatar o pai da forca, como se as coisas mais importantes e urgentes só a mim sobreviessem. E vinham. Pela frente, miseráveis pedestres espremendo-se contra as faixas, eu acelerando para lhes fazer graça. Não lhes permitindo a humilhante passagem, ultrapassando os velhos e gastos, as carroças, as sucatas.
Encostava meu pára-choque no alheio, arrancava urros do motor e gritos de horror. Só minha preferência nas rotatórias. Eles que freassem, os fracos e bobos. À esgueira, cabendo em qualquer parte. Fechando, quando, tentavam, em vão, ultrapassar.
Era demasiado meu amor por carros. Tive os melhores, até daquela fábrica alemã que nos primórdios produziu aviões e que mantém na marca o desenho da hélice. Fruíamos sucesso com as mulheres, elas, de nascença com GPS defeituoso, deslumbradas com o painel de mil luzinhas. Eu lhes proporcionava o céu. Não se importavam que eu morasse lá na vila caixa-prego, não lhes abrisse a porta, não lhes desse os presentes inúteis do respeito e do amor.
Carros não eram para homens como eu o substitutivo para o falo, mas sua ampliação, proclamação para o mundo. E como ficavam ainda mais potentes os amplificadores, quando eu os brindava com boa cerveja, uísque envelhecido, vinho de certa fineza. Convenientemente, eu tinha sempre, atrás dos bancos, garrafa e saca-rolhas reluzente, que desembainhava na hora oportuna, para, junto, sacar-lhes os vestidos e os escrúpulos. Os bracinhos do saca-rolas lentamente se erguiam, como se tomados de assalto ou preparando-se para se atirar em suicídio. A sensualidade da rolha surgindo, o corpo de cortiça embebido em tinto, o espírito do vinho enfim libertado.
Em uma viagem é que se deu o imprevisto. Eu arrancara para um final de semana no lago. A lancha ia atracada no engate. A loira em mim atracada. Ultrapassagem brilhante, as duas faixas amarelas faiscantes, as curvas se oferecendo, fáceis. Algo me fincou a perna. Os bombeiros conseguiram sacar enfim a viga de aço encravada. Mas o pé direito quedou ali, preso, enamorado do acelerador. Mandou-se com o resto, para o ferro-velho.
Assim tomei gosto por carros antigos, ou melhor, velhos, caindo aos pedaços, que já não pagam imposto, variantes, opalões, fuscas no pior de seu estado. Com o dispositivo acelero, calmamente, quando não me ocupo da mudança de marcha. E eles, os fortes, os potentes, os lançamentos do ano, morrem de raiva, quando atravanco o trânsito, quando humildemente roço minha lataria descascada nas suas pinturas brilhantes. Quando trafego, vagarosamente, pela esquerda, porque já não tenho nenhuma pressa de chegar aonde chego.

Comentários

Este eh mais profundo.
Eu sou vendedor de Jeep, e em muitas partes eu me associei com sua historia.
Com as dos meus compradores e com o tanto que o carro eh importante para muita gente.....
Estatus?
Bom, esse falico ainda e a extencao masculina...
Um abraco.

Escrito por: max tuta | 04-08-2007

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