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05-02-2011

O que você precisa é de um guarda-chuva

 

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Que protetor solar o quê? Em tempos de ventos e tempestades – e mais uma vez parodiando o poeta Marcos Caiado – o que você procura pode vir de um fábrica brasileira, pequena e obscura, da China ou até de Cingapura. O que você precisa é de um guarda-chuva. Não ouse existir sem um. Não ouse sonhar com um bom emprego ou com amores de perder o sossego, se não estiver preparado para se proteger da corrente caudalosa que sobre nós manda São Pedro. Não cogite tentar comparecer à entrevista para o sonhado cargo na grande empresa ou ao encontro tão adiado e difícil com o objeto amado, se não tiver um guarda-chuva a tiracolo ou ao lado.

            Minha mãe e minha irmã sempre me deram presentes práticos, ou melhor, talvez como um apelo para que eu fosse mais realista e pragmática, para que eu aferrasse meus pés ao chão, em vez de soltar-me como um balão de gás pelos céus da imaginação, tantas vezes esquecida de comprar o essencial para o funcionamento da casa, envolvida e hipnotizada por um bibelô ou qualquer inútil badulaque de amor ou de beleza, bem...Onde ia eu mesma nesse encadeamento de frases?

Pois minha mãe e minha irmã já me presentearam em Natal ou aniversário com uma campainha para o apartamento novo, para o qual eu tinha me mudado havia já um ano e mais um quarto (quem me visitava era a obrigado a esmurrar a porta ou gritar alto, diante de meu alheamento ou surdez embevecida). Já me deram ventilador, tábua de passar roupa, varal para estender a roupa e a alma, agora lavadas e antes sujas; e, claro, um guarda-chuva.

            Quando ganhei o guarda-chuva de minha mãe fiquei levemente decepcionada. Achei o presente de gente simplória, ela tão rude e austera como foi sempre com ela a vida dura, e por fim senti até certa pena daquela mãe-madrasta, por não compreender o valor que pode ter para nossa felicidade os pequenos supérfluos, os gastos desnecessários com flores, perfumes ou joias falsas. Mal supunha eu que mais tarde pena de mim é que sentiria, com essa estúpida mania de sucumbir ao fascínio das pedras e histórias de fantasia.

            Mas seguindo. Não creio que tenha usado muito o tal presente. Devo tê-lo encostado a um canto. Eu era muito jovem e padecia daquele orgulho estúpido e daquela insegurança, disfarçada de arrogância, que caracteriza a juventude. Os jovens têm vergonhas das quais costumam se envergonhar. Preferem ser atropelados a abandonar a mão para os carros na faixa de pedestre. Preferem chegar à escola encharcados a segurar a frágil haste, sustentando acima de si a mão protetora e, sim, de certo, confessando a própria fragilidade, uma vulnerabilidade que é inerente ao humano e não apenas aos pobres e velhos, apoiados em bengalas, que precisam trafegar pelas ruas, sujeitos aos esguichos dos carros velozes e às enxurradas capitalistas da impiedade.

            Anos mais tarde, quando passei uma temporada em Paris, já mais velha e umedecida pelas intempéries e frustrações da vida, levei um guarda-chuva comigo. Mas eu o perdi tão logo cheguei, naquele inverno pesado, que nos obriga a longos casacos, cachecóis, chapéus e luvas. É impressionante o número de objetos perdidos que se encontram nas ruas da cidade festiva durante o escuro e o frio. Não encontrei o meu próprio, mas uma sombrinha esverdeada, dessas minúsculas, infinitamente dobráveis, que se pode carregar na bolsa e que eu trouxe de volta para casa. Ela sobreviveu muito tempo ao meu lado, mas certo dia, esqueci-a no trabalho e ela, decerto, confundindo o esquecimento com abandono, encontrou novo dono.

            Mais uma vez, envolvida, seduzida, alheada das coisas práticas, passei por quase dezena de estações chuvosas, sem eleger um novo companheiro, que estendesse sobre mim a sua mão caridosa. Foram assim anos inteiros, até aquele dia fatídico, em que tive que correr a comprar  um guarda-chuva preto, como manda a boa elegância dos ingleses. Mas a história conto depois, pois este foi apenas um longo e necessário prólogo, e um modo de dizer até breve, até logo!