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06-05-2009

Um teto e tudo nosso

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Há pouco reli um livro de Virginia Woolf chamado Um teto todo seu, a transcrição de palestras feitas pela escritora inglesa em 1928 sobre o tema as mulheres e a literatura. Virginia pesquisou sobre o que as mulheres haviam escrito até então e constatou que não surgira ainda no mundo nenhuma grande escritora, que se comparasse a Shakespeare, por exemplo.

Ela notou que se isso não havia ocorrido foi porque as mulheres nunca tinham tido na história condições para tanto: sua educação era limitada, elas eram fadadas ao casamento, não tinham renda suficiente para se manter independentes e se dedicar à literatura. Se tivessem uma renda anual satisfatória, um teto todo seu, lugar para escrever tranquilas, certamente poderiam aprimorar sua arte.

Outra constatação de Virginia dizia respeito ao fato de que as mulheres que escreveram até aquela época não tinham conseguido desenvolver um estilo próprio, feminino, por estarem marcadas pelo ressentimento com a própria condição. Ela fazia um prognóstico: décadas depois isso seria possível, pois as mulheres, em situação de igualdade com os homens, poderiam escrever como mulheres, sem abordar, todo o tempo, o tema das injustiças sofridas. Escreveriam como e sobre mulheres naturalmente, como os homens escrevem sobre homens sem ficar remoendo a questão do gênero.

Ao relê-la, tive certa sensação de culpa, senão de inferioridade, pois, afinal, passados mais de 80 anos, cá estou, como mulher e escritora mui menor que Virginia, a escrever, volta e meia, reclamando de desigualdades e machismos, reeditando um feminismo que muitas vezes parece a mim mesma anacrônico. No entanto, eis como vivem as mulheres envolvidas com qualquer atividade artística ou profissional que exige uma dedicação intensa para se atingir a maestria. Já possuímos um teto todo nosso, a renda mensal. Mas temos, por outro lado, um excesso de atividades e afazeres que tomam todo o nosso tempo. E se sobra algum, estamos de tal forma exaustas pelas múltiplas jornadas, pulverizadas com tantas e tão diversas tarefas, que desanimamos.

Agora, além de trabalhar para manter esse teto, continuamos tendo que cuidar das obrigações domésticas. Se somos mães, temos que zelar dos filhos, que nos ocupar de sua alimentação, higiene, educação. Por mais que encontremos companheiros que dividam conosco essas ocupações, a divisão ainda é na maior parte das vezes desigual. Se nos desocupamos da casa e dos filhos para termos mais tempo para a atividade artística, delegamos essas funções a outras mulheres, que por sua vez, também delegam seus filhos e casas a outras.

Por isso, quando muitas vezes vejo homens escreverem tanto, citarem os muitos livros que lêem, os inúmeros filmes a que assistem, sinto-me um tanto deprimida e me flagro pensando: será que, depois de voltar do trabalho, eles têm que lavar a louça, as roupas? Será que eles têm que preparar as refeições de seus filhos, trocar as fraldas, brincar e passear com eles? Ou será que têm as suas costas pelo menos duas mulheres que fazem todas essas tarefas enquanto eles se dedicam às coisas mais importantes do espírito?

E será que além de fazer tudo isso, eles ainda têm que frequentar a academia, a manicure, o cabeleireiro, para se manter em forma, jovens e atraentes para suas mulheres? Pois não podemos desprezar que hoje a boa aparência se tornou requisito fundamental para as mulheres tanto na vida profissional quanto pessoal, e que mantê-la implica mais uma jornada. Pensando tudo isso, acabo concluindo que para uma mulher produzir uma obra artística de algum valor há que ser solteira e sobretudo rica. Ou seja, as coisas não mudaram muito desde que Virginia proferiu suas palestras.